ENTREVISTA COM BIA PORTO SOBRE CINECLUBISMO
Uma conversa excelente, muito leve sobre cineclubismo, a importância deles, o amor das pessoas que o fazem e como isso pode produzir conhecimento. Esse é o papo que tivemos com Bia A. Porto: formada em Cinema (UFF), mestre e doutora em Educação (PUC-Rio). É professora de Mídias do EFII da Escola Oga Mitá (Rio de Janeiro), integra o Grupo de Pesquisa em Educação e Mídias (Grupem/PUC-Rio) e estuda sobre audiovisual escolar e cineclubismo.
Tivemos a oportunidade de
encontrá-la no intercâmbio que fizemos ao Rio de Janeiro e continuar mantendo
contato para conversas em torno da importância da comunicação. Bia possibilitou que o CFT tivesse a
oportunidade de conhecer no Rio a Ong Cinema Nosso, que surgiu a partir de um
trabalho oriundo do filme Cidade de Deus.
Coletivo Tururu: O Coletivo Tururu tem na sua história a organização de cineclubes na comunidade e é uma experiência bastante exitosa porque envolve muitas pessoas. Organizamos os cineclubes a partir de vídeos que produzimos, então há um efeito imediato na empatia com os moradores, uma vez que eles se enxergam nas produções. Como você enxerga o trabalho que é desenvolvido nos cineclubes?
Bia: Eu estudei cineclubismo no mestrado e já tinha uma vivência
aqui no Rio de Janeiro, eu vivi a retomada dos cineclubes no início dos anos
2000, esse foi um movimento que veio com novas tecnologias, na época do DVD e
começamos a ter acesso a filmes e deu início assim como no Tururu, com a gente
fazendo os próprios filmes.
Meus pais foram cineclubistas na
juventude e eu peguei muito isso de meus pais e já era uma vivência muito
significativa para mim e filme para quem gosta é um momento de muita reflexão,
muita emoção, a cabeça da gente, a mente o corpo… Tudo isso os filmes fazem, da
gente pensar com o corpo inteiro.
No mestrado eu estudei a tradição
cineclubista e o que eu vi é que esta ação é uma mobilização em torno do
audiovisual, é um movimento muito diverso, o que se pode ver ao longo da
história do cineclubismo que tem quase a idade do cinema, quase 100 anos, isso
aí já teve uma porção de lugares no mundo inteiro de reunir pessoas em torno de
uma obra audiovisual ou às vezes para assistir, às vezes para produzir outras
obras: críticas, estudos, pesquisas… O cineclubismo não é só assistir filmes, é
uma conversa depois dos filmes, um debate, é produção de conhecimento.
No cineclube não há relação de
lucro, mas sim de amantes, que vai por amor, pelo prazer da ideia, então quando
eu estudei cineclube no mestrado, foram os escolares, instituídos por uma
política pública no Rio de Janeiro, inaugurada em 2007, mas o que dava para ver
que os que duram, os que funcionam, são os que as pessoas têm mais relação de
prazer, de entrega, que é muito mais do amor, do que da obrigação.
Dos trabalhos com cineclubes, há
uma diversidade muito grande e isso é interessante se você pensar que são dois
tipos de movimentos social: que funciona localmente, articulando, pois é um
espaço de sociabilidade, encontro de pessoas, esse lugar coletivo. E tem uma
outra dimensão que é uma questão de organização social, quando muitos
cineclubes são filiados a federações, locais, nacionais, continentais, onde
podem se encontrar virtualmente.
Os cineclubes são importantes
onde não tem sala de cinema, onde a internet é fraca, então quando se organizam
em escala maior, dialogando entre si, vão criando estratégias para vencer esses
obstáculos, cada um com seu perfil. Tem
cineclubes voltados pro público LGBTQ+, de associação de pescadores, voltados
para questões sindicais e o debate de cada um desse segmento pode enriquecer o
debate de outro segmento quando os espaços de encontros são criados entre
cineclubistas.
Coletivo Tururu: Diante dessas estratégias criativas que você menciona
dos cineclubes, tem alguma experiência específica que poderia ser trazida como
exemplo e que deveria ser multiplicada?
Bia: Tudo depende muito do que vocês querem fazer no Tururu, mas
acho super legal os cineclubes ligados aos pré-vestibulares comunitários que
são espaços bacanas de debate porque sempre pegam um filme que dê para discutir
alguma disciplina, algum conteúdo que esteja próximo ao ENEM e junta muito
estudante, depois tem palestra, “aulão”.
Aqui no Rio tem um cineclube de
muitos anos, do pessoal do Piratininga de Cinema (NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação), com o DOMINGO É COISA DE CINEMA, e é sempre sessão lotada,
eles conseguem filmes ótimos, até às vezes filmes do momento, como Bacurau.
Na Bahia na UESB, em Vitória da
Conquista, eles tem um projeto chamado “Janela Indiscreta” e eles são muito
atuantes, é um projeto de extensão universitária que tem várias frentes, onde
uma é eles levarem um projetor e fazerem exibições em cidades do interior.
Outro é exemplo é um cineclube do
movimento negro no Rio, que são super atuantes e fazem filmes pra caramba, tem
um cineasta Clementino Junior (CAN - Cineclube Atlântico Negro) que produz muita coisa, que fazem sessões de filmes
feitos por negros, fazem oficinas de cinema, como fazer audiovisual na marra,
na raça. No Rio também tem cineclubes feministas, LGBTQ+ e essas são algumas
ações válidas de serem pesquisadas e replicadas.
E como vocês tem uma pegada em
comunicação popular, com certeza vocês devem fazer cineclubes com um retorno
comunitário, das melhorias de condições sociais da população daí, então esses
são exemplos interessantes, pois é uma articulação muito potente, forte, as
pessoas têm estilos diferentes de aprendizados e o filme ensinam muitas coisas
e sem falar que é um encontro onde as pessoas aprendem a expressar suas ideias.
Aqui no Rio tinha um coletivo que
tinha um projetor super bacana que faziam umas sessões chamadas de “Cine
Ataque”, então eles sempre iam na hora da saída do povo do trabalho, nos locais
mais movimentados do centro do Rio, como Cinelândia e fazia sessão na rua, uma
coisa linda e é incrível como o povo de rua é um público surpreendente.
Coletivo Tururu: Quando fazemos cineclubes para na comunidade, enche de
crianças, elas curtem muito, ver seus amigos nos vídeos, até às vezes elas
aparecem. A prática de cineclube ela pode ter foco específico para o público
infantil e como você vê isso?
Bia: Na rua, dependendo do lugar, também dá muita criança. É legal
cuidar pra ter programação para elas, o que não é fácil, se você não quiser
exibir "disney", esse público é carente de narrativas alternativas, o
mercado do cinema infantil é extremamente monopolizado. Existem
curtas-metragens bacanas, dá pra ver alguns no portacurtas.org.br, mas só dá
pra ver em streaming. E aí, se a internet não for ótima (o que é raríssimo),
fica impraticável.
Coletivo Tururu: Você acha que o audiovisual
pode ser um instrumento forte de formação de base? E como isso pode refletir na
construção de comunidades mais fortes e participativas no processo social?
Bia: Na origem do cineclubismo ele começa com a formação de base,
se pegar os primeiros com associações de esquerdas, sindicais, faziam o
cineclubismo com o cunho político. A própria igreja católica para difundir
valores humanistas, de filmes edificantes, para transmitir “bons valores”, etc.
Mexe com as emoções e não com
mensagens acabadas e tem a troca, as pessoas podem conversar chegando a temas
que são difíceis de pessoas falarem pelo fato de assistirem os filmes: gênero,
drogas, certos tabus… O cineclubismo não pode ser, ele é muito importante.
Durante o tempo em que o Gilberto
Gil foi nosso Ministro, ele e a equipe dele, inauguraram um programa do “Cine
Mais Cultura” e fizeram toda uma estrutura para associações de pequenas cidades
e até Secretarias de educação de municípios pequenos para promoverem
cineclubes.
E isso rolava até como pretexto para reunir tipo
pescadores de algum lugar, para estarem juntos, terem um momento de encontro e
troca, debater interesses de classes. Tem muitos exemplos legais na história do
cineclubismo.
Coletivo Tururu: Que recado você poderia deixar
para as pessoas que fazem e as que querem fazer cineclubismo?
Bia: Para quem está começando cheio de gás, as vezes fica bem
ansioso para as coisas darem certo e as vezes não dá, sabe? O cineclube é um
trabalho a longo prazo, precisa de uma certa regularidade para engatar e aí tem
que ter persistência, dedicação. A dedicação que eu falo é gostar de cinema e
pesquisar mais, descobrir coisas que vão ser diferente, tem que conhecer o seu
público e isso pode ser feito durantes os debates, ouvir bastante e observar
bastante.
Por falar em debate, é importante
saber que as vezes o debate não flui porque o público não tá acostumado a ver,
a conversar, a se expressar, por isso é importante a pesquisa e o estudo para
dinamizar o debate e fazer a conversa fluir. Não basta gostar dos filmes, tem
sempre o trabalho de pesquisa que precisa ser cultivado esse hábito.
Muitos cineclubes são levados por
uma pessoa, que tem um amor e se dedica com uma carga horária que você imagina
que o dia da pessoa tenha 48h e não dá conta de fazer tudo que faz.
O ideal é trabalhar no coletivo,
horizontalizar, maneira colaborativa e ficar ligado porque hoje em dia na
internet tem condições amplas de conseguir filmes do circuito comercial, fazer contato com outros cineclubistas e ver a
forma de operar.
Fazer trocas de filmes com outros
cineclubistas é muito legal, porque filme é para ser visto, esse é um dos lemas
do cineclubismo e sempre nessa perspectiva de abrir público pros filmes.
E se a gente pensar na
perspectiva de que filmes são para serem vistos, então é isso, abrir para o
público.
Para acessar mais sobre os trabalhos de Bia Porto:
Trabalho na Jubra: http://www.unicap.br/jubra/wp-content/uploads/2012/10/TRABALHO-133.pdf
Dissertação: http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/1111587_2013_completo.pdf
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Força Tururu?
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