FOI REVOGADO! Licenciamento ambiental autodeclaratório, um mal que colocava em risco o meio ambiente na cidade de Paulista (PE)
Algo
muito estranho estava ocorrendo na surdina da cidade, e isso tem nome e número:
o Decreto nº 034/2024 e, posteriormente, o de nº 072/2024, que trata do
estabelecimento de critérios e diretrizes a serem adotados para o Licenciamento
Ambiental, na modalidade Adesão e Compromisso, de empreendimentos ou atividades
de pequeno ou micro porte e baixo potencial poluidor.
Segundo
consta na página do próprio Ministério Público de Pernambuco: “Após
recomendação emitida pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE), por meio da
4ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania de Paulista, a Prefeitura do Paulista promoveu a
revogação dos dispositivos ilegais e a adequação do procedimento de
licenciamento à legislação vigente, acatando integralmente os termos
estabelecidos no documento.”
Enviamos,
via LAI (Lei de Acesso à Informação),
um pedido à Prefeitura do Paulista para saber quantos licenciamentos
autodeclaratórios foram expedidos pela gestão municipal entre 2024 e maio de
2025. A Controladoria-Geral nos informou que, em 2024, foram emitidas 122
licenças ambientais e, em 2025, 42.
Especialistas
na área e ambientalistas se opõem a esse tipo de decreto ou lei, devido a
diversos fatores: não se realiza um estudo ambiental adequado e logo se emite a
certidão autodeclaratória; não há análise de impacto indireto quando ocorre a
construção do empreendimento; há um ataque sistemático ao meio ambiente sob o
discurso do progresso. E este decreto representa mais um atalho para facilitar
a concessão de licenças.
Entrevistamos
Carlos Queiroz, ambientalista e
empresário do ramo de restaurantes, no bairro de Maria Farinha, em Paulista.
Ele afirmou ser contra o decreto desde o início, alegando que “não existe
regularização nem fiscalização para cumprir as regras estabelecidas, o que gera
desorganização e descumprimento das normas”.
Paulista
tem um histórico bastante negativo de abandono. O turismo em Maria Farinha
poderia ser um enorme potencial para a cidade, mas é pouco explorado. O
transporte público não interliga os bairros, e há uma dificuldade gritante na
mobilidade urbana — sair das praias até a Regional Paratibe, por exemplo, é
algo bastante complicado. Houve conflitos relacionados à revisão do Plano
Diretor, caso que foi levado pela Rede
de Coletivos Populares da Cidade de Paulista ao Ministério Público, em
2019, por entender que a articulação em curso visava apenas beneficiar
empresários. As matas da localidade vêm sendo entregues a condomínios e
empresas que devastam hectares em poucos dias. A Mata do Frio, por exemplo,
está completamente abandonada, sendo alvo constante de denúncias por parte da
população e de instituições sociais.
Preocupados
com toda essa situação, buscamos dialogar com Fernando Macedo, ativista socioambiental e integrante do Coletivo Salve Maria Farinha. Ele
destacou um ponto central, dizendo que “é uma forma de atribuir ao construtor
ou responsável pela obra toda a responsabilidade por qualquer dano ocorrido
numa determinada área; trocando em miúdos, um 'acordo' de confiança”. Ele
completou dizendo que “o licenciamento, de certa forma, acaba legalizando e
normalizando tipos de construções cujos proprietários, muitas vezes, não têm
consciência sobre preservação e limites; multa ambiental não é todo mundo que
paga”.
Nossa
perspectiva, infelizmente, é que, com a normalização das solicitações baseadas
no decreto (ora veja, já estamos em 164 desde a nossa última solicitação), caso
ele continuasse em vigor, poderia haver ampliação do desmatamento na cidade,
seja pela incapacidade da gestão municipal em fiscalizar, seja pelo
desinteresse. Fernando ainda trouxe outro ponto fundamental: “a prerrogativa é
ampliar a arrecadação de impostos na cidade; em contrapartida, é preciso
contratar mais pessoas para fiscalizar as áreas, garantir processos mais
transparentes e permitir solicitações via internet — algo mais prático e ágil”.
Buscamos
o então Secretário de Meio Ambiente à
época do decreto, Sr. Silvio Batista, que respondeu às nossas perguntas.
Ele afirmou que “diante do declínio da competência do Estado, pela não
renovação do convênio com a CPRH, as atividades de construção civil de até 16
dormitórios (privês) passaram a ser de responsabilidade do município.
Elaboramos o Decreto nº 34 para formalizar junto ao município o que já era
licenciado pelo Estado de forma automática”.
O
Secretário pontuou que a Prefeitura e a Secretaria entendiam que o decreto não
geraria impactos significativos, “considerando que a atividade já estava sendo
autorizada e instalada na modalidade 'autodeclaratória', até mesmo de forma
menos restritiva do que pelo município, pois existia uma análise preliminar em
casos críticos com evidências de má-fé”. Porém, visitamos um dos locais
beneficiados pelo decreto e constatamos que, além da ausência de fiscalização,
havia infrações ambientais relacionadas ao manguezal próximo ao terreno
autodeclarado.
O
Secretário informou ainda que, na gestão, o Decreto nº 34 foi revogado e substituído
pelo nº 72, com a perspectiva de ampliação das atividades. Ele acredita que,
com a informatização dos licenciamentos, será possível promover melhorias e
reavaliar o cenário. No texto do Decreto nº 72, é possível verificar quais
modalidades podem solicitar o autolicenciamento declaratório, quem é isento de
taxas, como se dá a responsabilização, entre outros aspectos.
Nós,
do Coletivo Força Tururu, lutamos para que o decreto fosse revogado, pois
concordamos com a posição do Ministério Público, que defende, com base nos
Decretos nº 126 e nº 33, que o nº 72 também fere a legislação ambiental e a
proteção ao meio ambiente, além de desrespeitar normas constitucionais e
municipais.
Uma
coisa é ser contra o processo burocrático, que muitas vezes emperra o desenvolvimento
do país e, nesse ponto, nosso posicionamento é favorável. Mas tornamo-nos
contrários quando se pretende eliminar mecanismos de fiscalização da legislação
para atender aos interesses de grandes grupos privados. Inclusive, o impacto
dessas construções autodeclaratórias, em determinadas circunstâncias, pode
trazer mais custos ao Estado, porque, no fim das contas, a responsabilidade
sempre recai sobre o poder público.
Por
isso, iremos contribuir com a mobilização popular em torno desse tema, levar
propostas à Câmara de Vereadores e nos posicionar veementemente contra esses
decretos.
— A matéria é assinada pelos integrantes do Coletivo
Força Tururu.
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