O desconforto da violência diária




Desabafo por Marlon Diego

Me peguei pensando na violência hoje cedo. Não só hoje, mas essa semana toda. Basta dar uma breve olhada nas manchetes dos jornais locais para encontrar o balanço caótico dos homicídios cometidos nos estado de Pernambuco só este ano. Foram 548 só em março. 52 mortes a mais que no mês de fevereiro. 1.522 desde janeiro. “Talvez seja erro de cálculo”, deve ter dito o governador… Ok.

Hoje fomos destaque na capa da Folha de São Paulo, e antes fosse pela paixão de Cristo encenada no interior do estado, o negócio era sobre violência mesmo. Os “boatos” foram longe, né? Mas essa realidade na qual vivemos amedrontados já não é novidade. Há anos que nós, cidadãos comuns, não moradores de bairros lotados de prédios e carros caros, nos privamos de sair de casa em determinadas ocasiões — passeios à noite, saídas em dias de jogos de futebol na cidade, etc. A gente acaba sem saber se vai voltar ou ficar na rua, registrado como mais um caso irreversível do caos na segurança pública. O problema é mais embaixo, né?

A começar pela polícia. Bem, essa aí é outro caso preocupante: Sucateada, mal paga e violenta. Quem não ficou sabendo do episódio surreal no município de Itambé, zona da mata de Pernambuco, quando em março deste ano um Policial Militar baleou o jovem Edvaldo da Silva Alves, de 21 anos, enquanto este protestava contra a violência na sua cidade. Em um vídeo gravado por um dos presentes na manifestação, vemos claramente que Edvaldo nada fez de errado. Depois de baleado ainda apanhou, mesmo enquanto era “socorrido” pelo algoz — infelizmente, poucos dias atrás, veio a falecer no Hospital da Restauração, no Recife. Esse é só um dos muitos exemplos de como a polícia nos trata. Quem vive a nossa realidade sabe bem que o conceito de “atira primeiro e pergunta depois” vem sendo muito bem aplicado pelos guardas da estado. Os ‘gestores’ nada fazem. Aliás, marcam coletivas e mais coletivas. Isso sim, eles sabem fazer.

Desde 2007 que não se matava tanto em nosso estado. O governo alega que a atuação de grupos de extermínio aumenta significativamente o número de mortes. Sim. Ok. Mas quem tá do lado de cá não consegue enxergar a movimentação contra isso. Ou somos muito críticos e pouco notamos os esforços dos responsáveis pela segurança pública. Aposto que eles alegam isso. Em Pernambuco se mata mais do que em São Paulo, que tem uma população quatro vezes maior. Acho, apenas acho (risos), que nós ainda reclamamos com direito. Mas num governo que contesta os números* e envia "Orientações sobre divulgação de resenhas diárias para imprensa"** para os jornais locais, o que podemos fazer?

Talvez o nosso maior pecado seja reclamar. Calados, sendo mortos, assaltados, perseguidos, maltratados, cumprimos o nosso papel social de vulneráveis marginalizados e pobres coitados, nós somos mais úteis para manutenção do status quo. Depois, quando for da necessidade de alguém usar a nossa imagem para falar sobre o que é preciso ser feito para melhorar nossas vidas, aí sim, vem a comitiva toda respeitosa, apertando as mãos, sorrindo, prometendo solucionar todos os problemas que atingem nossas vidas. No fim, nada muda. Estou cansado. Aliás, estamos todos.

Sobre o autor: Marlon Diego tem 23 anos, é estudante de jornalismo e fotógrafo. Atualmente estagia como fotojornalista em um jornal local. Nas horas vagas lê besteiras, opina sobre música e escreve textos sobre a realidade que vivencia.


Dados

*Em entrevista à Rádio jornal Governador de Pernambuco Paulo Câmara desmente número de homicídios em março de 2017: https://goo.gl/LnSMVa

**Nota do Sinjope - Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco, sobre o Ofício da Secretaria de Defesa Social do Governo para a imprensa local: https://goo.gl/rnIoCM

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