ENTREVISTA: Professor Alex Melo (os desafios da educação Pública)

Nosso entrevistado: Professor Alex Melo, há 11 anos que leciona geografia, atualmente trabalha na Escola EREM José Manoel de Queiroz, na cidade do Paulista – PE. Um professor atuante que busca na comunidade as respostas para a construção de aulas participativas, construídas a partir de problemas sociais. A conversa com Alex enveredou-se por diversos temas, que vão desde os problemas na escola até questões que estão além dos muros e incidem diretamente do cotidiano do aluno. Vale a pena dar uma conferida na entrevista toda e verificar passo a passo como foi esse bate papo.

Coletivo Tururu: Quais são os maiores desafios em ser professor?

Professor Alex: Os desafios são imensos, dentre os desafios diários listei apenas alguns que acredito influenciar no processo de aprendizagem significativa, São eles:

1 – lidar com estudantes de diferentes perfis: Realidades de vida diferentes, formas de pensar diferentes, estilo de vida diferente, são alguns desafios diários a qual o professor deve estar preparado a enfrentar, é preciso muito jogo de cintura para não perder o domínio de sala de aula e valorizar cada desempenho e entender cada estudante dentro de suas capacidades cognitivas de se chegar à reflexão e entendimento dos conteúdos.

2 – Salas superlotadas: Ensinar em um espaço pequeno frente ao grande número de estudantes por turma é muito difícil pra se trabalhar de forma dinamizada, muitas vezes precisei adaptar as aulas para se chegar ao objetivo almejado. Na sala de aula, os estudantes ficam muito próximos uns aos outros, fazendo com que percam a concentração nas aulas, levando a um menor aprendizado. Esta situação não é uma reclamação diária apenas de professores, mas os próprios alunos se sentem desconfortáveis com tal situação. As salas de aula hoje do ensino médio se encontra com turmas de até 45 estudantes, às vezes chegando até 50, quando pesquisadores em educação recomendam de 30 a 35 estudantes por turma.

3 – Planejamento de aulas: Atingir uma meta sem planejamento, difícil, eu como professor entendo a importância do planejamento para se chegar a algum resultado no processo de ensino – aprendizagem de maneira significativa. Não posso negar as inúmeras vezes ao qual tive que improvisar minhas aulas por falta de tempo para planejar. Nas escolas integrais o tempo é bastante restrito para elaboração de um bom planejamento de aula, devido a grande carga de trabalho a qual somos encarregados em cumprir, inúmeras vezes levei trabalho pra casa perdendo meus momentos de descanso e lazer ao lado de minha família. Um bom planejamento facilita bastante a compreensão por parte dos estudantes dos conteúdos aplicados em sala, facilitando o processo ensino – aprendizagem.

4 – Valorização da carreira do professor: Respeito acima de tudo, formação universitária de qualidade, capacitar os profissionais da educação, dar boas condições de trabalho e melhorias salariais, estes são os aspectos básicos para que se possa ter uma educação de boa qualidade. Pena que estes valores estão longe de se concretizarem.

Coletivo Tururu: Quais os principais problemas hoje dos estudantes de escolas públicas?

Professor Alex: A falta de interesse dos estudantes nas aulas pra mim é o grande problema - desafio da educação na atualidade. Hoje em dia percebo que não basta para os estudantes aulas ou avaliações tradicionais para obter conhecimento e ter gosto em estudar, é preciso motivação e dinamização a fim de levar o estudante a ter interesse pelos conteúdos, e ensiná – lós a aprender a aprender. A falta de interesse é por não acharem as aulas mais atrativas. É preciso valorizar, mudar ou alternar a forma de ensinar, porém “forças contrárias” dificultam esta mudança. O que me deixa triste é saber que a educação na atualidade está mais preocupada com dados estatísticos do que com a formação de qualidade dos estudantes.

Coletivo Tururu: Em 2016 você promoveu com os alunos do 3° ano do ensino médio o projeto "I love Tururu", em parceria com o Coletivo Força Tururu, conta pra gente um pouco dessa experiência.

Professor Alex: Foi uma experiência maravilhosa, elaborar um documentário na tentativa de desmistificar ideias preconceituosas sobre a comunidade do Tururu, é algo de muito valor humano. Propagar ideias preconceituosas é muito perigoso, os meus alunos tinham uma visão muito deturpada da comunidade, mesmo aqueles que moravam na própria comunidade assim como os que moravam no entorno da comunidade, vinham cheio de ideias preconceituosas como do tipo: “lá só tem ladrão”, Só tem drogado” “se entrar, não sai vivo” então isso me deixou muito preocupado, sabemos que há problemas na comunidade, mas chegar ao ponto de estigmatiza – La de forma tão negativa, isso não acho legal. Mas com o apoio da gestão escolar e do coletivo Tururu, nós fizemos um belo trabalho onde os estudantes puderam conhecer mais sobre a comunidade desde sua fundação até os dias atuais, percorremos o Tururu inteiro entrevistando pessoas, conhecendo a importância de algumas ONGS no desenvolvimento social da comunidade, a importância e o descaso das autoridades na preservação da mata atlântica e de serviços sociais de fundamental importância para a comunidade. Tivemos a grande honra de conhecer uma figura ilustre da cultura popular brasileira o grande Zeca do rolete, conhecemos o seu trabalho e sua trajetória, e por fim, apresentamos o documentário na escola para a comunidade escolar que veio em peso prestigiar nosso belo trabalho. Tenho certeza que depois desse documentário tanto os que assistiram, como os estudantes participantes mudaram sua percepção em relação a comunidade, de agora em diante não mais propagarão ideias preconceituosas, e sim propagarão ideias de respeito e dignidade a comunidade que vive numa luta diária em busca de melhores condições de vida.

Coletivo Tururu: Quais os maiores aprendizados disso tudo?

Professor Alex: Eu venho aprendendo, a vida é um aprendizado diário. Mas ainda estou longe do pensamento do grande filósofo Sócrates, pois ainda estou no estágio do penso que sei, mas nada sei, pretendo quem sabe algum dia chegar a pensar como ele:

“Só sei que nada sei, e o fato de saber isso, me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa”.

Sócrates

Coletivo Tururu: E os projetos futuros, o senhor pode adiantar um pouco deles?

Professor Alex: Estou dando continuidade ao projeto de cinema e teatro na escola, este ano o tema será a semente de mostarda, na qual iremos fazer um documentário sobre pessoas que fazem a diferença na vida de outras pessoas, inclusive faço o convite a vocês do Coletivo Tururu para que os estudantes conheçam a história de lutas e conquistas de vocês perante a comunidade. Vamos a campo visitar ONGS e grupos de pessoas que trabalham na luta diária para uma melhor condição de vida das pessoas e se possível participar de algumas atividades com os grupos para que os estudantes entendam na prática as dificuldades e a importância de um projeto social.

Também tenho em mente outros projetos, mas ainda não sei como colocá – los em prática, mas posso dizer que os projetos são relacionados ao ser, tenho lido muito sobre meditação e percebi o quão importante é essa prática para vida das pessoas. Ela atua na melhoria da capacidade de concentração, diminui a ansiedade e ajuda no controle do estresse. Creio que a meditação é capaz de melhorar o desempenho do estudante fazendo – o ter mais foco e concentração. Mas ainda é um projeto em estágio de estudo. Acredito que todas as escolas municipais e estaduais deveriam ter práticas meditativas, pois já é provado os benefícios da meditação na vida das pessoas.

Coletivo Tururu: O senhor não acha que a falta de interesse dos estudantes também está relacionada a vida deles? Os problemas que eles tem em casa, a violência da comunidade, a falta de estímulo do sistema educacional e até a falta de perspectiva deles?

Professor Alex: Sim, com certeza! A violência é um dos fatores desse desestímulo, seja a violência na comunidade, em casa ou até mesmo no ambiente escolar. Pesquisas já realizadas mostram que estudantes que moram em áreas onde a violência é constante, apresentam baixo rendimento escolar. Mais um grande desafio para o professor, identificar quando o estudante não apresenta um bom rendimento em detrimento de violência e buscar meios para que o processo de ensino aprendizagem seja satisfatório. Hoje dentro do ambiente escolar enfrentamos diversos casos de violência relacionados às drogas e ao bullying (agressões intencionais podendo ser verbais ou físicas de maneira repetitiva e que podem causar sérios danos psicológicos às vítimas). Já tive a oportunidade em 2013 de promover um projeto com todo apoio da gestão escolar, professores e estudantes da escola a qual leciono até hoje, para identificar e minimizar incidências de bullying no ambiente escolar, e constatamos que era grande o número de casos de estudantes que sofriam bullying. Nosso trabalho identificou também que boa parte dos praticantes de bullying também sofriam algum tipo de violência, foi preciso muita cautela para enfrentar este tipo de problema no ambiente escolar, ao identificar a problemática realizamos um fórum de debates, palestras de conscientização, elaboramos aulas demonstrando situações de bullying, vídeos, cartilhas foram entregues para que os estudantes entendessem as causas e consequências na vida, tanto de quem pratica, como em quem recebe este tipo de violência. Foi um grande passo na luta contra este mal. O que me deixou feliz foi ver a mobilização e o comprometimento de todos os envolvidos no projeto, e com isso conseguimos bons resultados nos anos seguintes, melhorando as relações no ambiente escolar. É assim que se faz educação, promovendo a cultura de paz no ambiente escolar, com muita união. Violência não se combate com violência e sim com muito trabalho, educação, amor e paz.

Coletivo Tururu: Estamos vivendo um processo difícil na educação brasileira, sobretudo no Ensino Médio, com a reforma que teve como o senhor enxerga isso, vai trazer um distanciamento (ainda mais) para aqueles que estudam em escola pública e os que estudam em escola privada?

Professor Alex: A reforma do ensino médio é tanto para escolas públicas como para as privadas, o que vejo como grande problema foi à falta de um debate mais amplo com participação popular. Acredito que a reforma está mais preocupada em melhorar os índices educacionais, não vejo com bons olhos este tipo de educação que prioriza os resultados em detrimento do conhecimento. Flexibilizar a grade curricular da educação é algo viável a meu ver, assim como dar mais oportunidade ao jovem para se inserir no mercado de trabalho, tendo em vista que a proposta prevê formação técnica e profissional, vejo isso como pontos positivos, porém diminuir a importância de disciplinas essenciais no processo ensino aprendizagem como filosofia, sociologia e educação física acho algo abominável. Outro ponto a ser debatido é a desvalorização do professor e dos cursos de licenciatura, tendo em vista que o novo ensino médio prevê que profissionais com notório saber poderão lecionar. Acredito também que sua implantação encontrará problemas estruturais nas escolas públicas, onde muitas não estão preparadas para tal mudança. Espero que essa reforma no ensino traga mudanças verdadeiras formando cidadãos conscientes, críticos e reflexivos e não em meros produtos do mercado para o mercado.

Coletivo Tururu: Se o senhor fosse pedir um apoio dos estudantes, dos professores, da comunidade, do Estado, qual seria?

Professor Alex: Pediria união e força, com mais envolvimento e investimentos nos projetos escolares, e que atuem na comunidade em que moram e sejam verdadeiros protagonistas na construção de uma sociedade mais justa, acreditando em seu potencial e sempre em dias melhores. Como diria Paulo Freire, “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.

Coletivo Tururu: Deixe um recado final para as pessoas que irão ler essa entrevista

Professor Alex: Pense no bem, faça o bem, seja o bem. Seja o paraíso de sua vida, faça seu lar, sua comunidade, sua escola um paraíso na terra, e por mais difícil que seja sua vida, nunca esqueça em agradecer sempre. Um abraço a todos, e muita paz.