ENTREVISTA COM RUD RAFAEL – DIREITO À MORADIA
Rudrigo Rafael Souza e Silva, 33 anos, mais
conhecido com o Rud Rafael. Rud é assistente social formado pela UFPE, com
especialização em Gestão de Programas e Projetos Sociais pela UNICAP, tem
mestrado em Serviço Social também pela UFPE. Militante do Movimento Sem Teto, Educador da ONG FASE, um camarada atuante nas trincheiras do direito à moradia. E é exatamente sobre
esse tema o nosso bate papo de hoje.
Coletivo Tururu: Como
você vê hoje o problema relacionado a falta de moradia?
Rud Rafael: O problema da moradia é um traço inequívoco da permanência do
nosso passado colonial aliado a um capitalismo que tem no elemento da terra
(rural e urbana) uma importante mercadoria. Mesmo que tenhamos na Constituição
Federal assegurados o direito à moradia e a obrigatoriedade da propriedade
cumprir uma função social, temos mais imóvel desocupado do que famílias
precisando da moradia. Segundo a Fundação João Pinheiro, são 7.906.767 de
imóveis vagos contra 6.355.743 famílias precisando de moradia. Uma realidade
dessa só se sustenta por uma ideologia extremamente perversa de desigualdade e
segregação socioterritorial.
Coletivo Tururu: Qual o tamanho da força da especulação imobiliária na região
metropolitana do Recife?
Rud Rafael: É a força, por exemplo, de um ator que determina que o valor do
m² suba mais de 100% nos últimos 8 anos, enquanto o índice da Bolsa de Valores
subiu 41,32% no mesmo período. Ou seja, nós temos o 5º m² mais caro do Brasil
na Região Metropolitana do Recife. Transformaram a cidade numa mercadoria das
mais lucrativas, diga-se de passagem. Mataram o direito, mudaram as leis, para
satisfazer seus lucros. Isso aconteceu no caso do Estelita, por exemplo, onde
um Plano Urbanístico foi aprovado por lei sem a obrigatória da participação da
sociedade.
Coletivo Tururu: E qual o tamanho da força do povo para se mobilizar contra esse
monstro que é a especulação imobiliária?
Rud Rafael: Se tem, por um lado, a ânsia do capital imobiliário para
privatizar a cidade, existe também um histórico de luta e resistência para
barrar esse processo. Basta ver o que foi Casa Amarela e o Movimento Terras de
Ninguém, o que continua sendo Brasília Teimosa, Bode, Santo Amaro, Coque. E se
reafirmam sempre outras resistências como no caso do Sancho, Muribeca, Passarinho,
Pocotó ameaçadas recentemente de remoção, mas que conquistaram importantes
vitórias. Existe uma dinâmica de defesa do direito e do valor de uso do solo
contra uma dinâmica especulativa, porque os pobres não aceitam calados as
arbitrariedades do Estado e do capital.
Coletivo Tururu: Fala um pouco da ocupação Carolina de Jesus e Marielle Franco.
Rud Rafael: A Carolina de Jesus e a Marielle Franco são expressões disso.
Organização popular e inteligência criativa coletiva para responder a omissão
do Estado e a ilegalidade do capital. Para mostrar que a cidade pode ser
diferente, que não vão nos ignorar. A Carolina de Jesus se tornou a maior ocupação
urbana do Recife nos últimos 10 anos e a Marielle a ocupação de imóvel vago no
centro depois de mais de 6 anos. Dois territórios populares que pautam a
questão do direito à moradia como uma questão da cidade e não apenas das
famílias sem-teto. Porque como essas famílias existem outras 100 mil na RMR e
essa questão precisa ser enfrentada. E produzir moradia é produzir cidade.
Quando falamos de uma ocupação no centro do Recife feita por mulheres, nós
queremos dizer que precisamos enfrentar o machismo e a degradação do centro da
cidade, por exemplo. Quando ocupamos ao lado de um terminal integrado de ônibus
e metrô no Barro, queremos dizer que é preciso construir habitação onde já se
tem estrutura de transporte na porta. São nessas relações de poder e de
desigualdade que a gente vai tocando toda vez que o povo vai se organizando
para reivindicar seus direitos.
Coletivo Tururu: Você acha que o movimento sem teto enfraqueceu depois do desastre que
ocorreu em São Paulo?
Rud Rafael: O movimento sofreu ataques covardes de setores que mostraram a
sua desonestidade e descompromisso com a verdade e com as famílias que sofrem
com o problema da moradia. Nossa postura diante da tragédia foi se solidarizar
com as famílias, em primeiro lugar. Depois, esclarecer que não era nossa a
ocupação e pautar o debate real sobre a falta de políticas habitacionais no
país. A questão central é essa. Se houvesse uma intervenção do Poder Público, a
tragédia poderia ter sido evitada. O crime é ainda termos gente vivendo em situações
desumanas. A culpa não é de quem ocupa. De uma tragédia dessa não se tira
saldo, se mantém na luta. É isso que estamos fazendo, que fazemos todos os
dias. E quem só nos atacou está parado, esperando só uma nova tragédia para
atacar quem tenta mudar essa realidade absurda.
Coletivo Tururu: Qual o retrato desse
povo que busca moradia no Brasil em particular em Pernambuco?
Rud Rafael: O retrato é cada vez mais dramático. Com a crise, cada vez mais
pessoas sofrem com o problema da moradia. A questão da moradia, por não ser
tida como direito, mas como mercadoria, não é só a questão da moradia. É a
questão da economia. Não só porque a Política de Moradia foi historicamente
mais uma política econômica do que social, mas porque, por exemplo, o valor do
aluguel não cai se o desemprego cresce. E com a crise do emprego (hoje são mais
de 13 milhões nessa condição), elevação da inflação, as famílias não conseguem
mais pagar aluguel. Não só as mais pobres, mas um número cada vez maior de
famílias de classe média também. Volta-se para casa de parentes, arranja-se um
local mais barato, quem tá pagando a casa comprada, se endivida. Quem não
aguenta mais passar por isso, ocupa. Ocupar é a única alternativa para muitas
famílias conquistarem seu direito de existir na cidade. É também pensar uma
outra economia do espaço, pois ocupação controla valor do solo também e
desmercantiliza moradia, tira esse ônus das costas da trabalhadora e do
trabalhador. É uma forma de libertação também.
Coletivo Tururu: Estamos vendo grandes círculos imobiliários que estão sendo fortemente
estruturados sobretudo na região metropolitana como o "Novo Recife"
e, ou grandes investimentos que estão ocorrendo em Paulista, nossa cidade.
Quais as vantagens e desvantagens que você vê nisso?
Rud Rafael: Essa lógica dos mega projeto e grandes empreendimentos não traz
vantagens. Se você quiser destacar uma, vai falar da geração de emprego, mas a
maioria é temporária. E o trabalhador vai ali construir um lugar que não é para
ele. Ele deixa de ter aquele lugar como possibilidade de uso para moradia,
lazer, comércio, serviços, etc. É atender os interesses das minorias. Qual o
legado da Arena da Copa? Das torres gêmeas em Recife? De um alphaville?
Desperdício de dinheiro público, de infraestrutura urbana, encarecimento da
cidade, exclusão.
É preciso dizer que isso
não é revitalizar e trazer progresso para uma cidade. É justamente o contrário.
O Estelita mostrou que para revitalizar é preciso democratizar, tornar público
ou atender às necessidades da maioria. O que o Escambo faz, a galera que se
organiza em Maranguape, o que o Coletivo Tururu também, por exemplo, é mostrar
que a vida se faz resgatando identidade territorial, produzindo espaços de
encontro e reconhecimento das comunidades, dinamizando a economia popular,
procurando dar resposta aos problemas das pessoas, exigindo políticas
públicas.
Coletivo Tururu: Deixe um recado para as pessoas que vão ler essa entrevista e que
curtem o nosso blog.
Rud Rafael: Se organizem na sua escola, universidade, igreja, torcida de
futebol, grupos de família do whatsapp, trabalho, no seu bairro. A gente
precisa se encontrar e produzir esperança, mostrar que a gente sabe fazer
mudança juntas e juntos. Entender que a política a gente faz no dia-a-dia, que
é possível sim produzir transformação, reencantar essa vida que merece e pode
ser vivida de outra forma, a partir de um projeto coletivo de felicidade e de
cuidado. E que massa que acessa o blog do Coletivo Tururu, essa galera incrível
que faz a resistência acontecer. Abração em todas e todos.
Comentários
Postar um comentário