RESPEITEM AS MINAS!


Por Daniela Rodrigues – Assistente Social

Nas últimas semanas passei por duas experiências das quais me lembrei quando fui desafiada a escrever esse texto.
A primeira foi ter visto uma mocinha que tinha seus 15 ou 16 anos se aproximar carinhosamente de um (provável) namorado de idade parecida, presumo, e ele bater no seu rosto; e ela, em seguida, insistir em lhe beijar novamente, rindo inclusive, da situação; um outro momento, foi um áudio (junto de uma foto) que viralizou no “whats”, no qual uma jovem (aparência de 20 anos), descrevia “o tipo” de namorado que ela queria; dentre outras caracteristicas, o pretendente teria que ter “passagem na polícia e pelo menos três homicídios... se fosse dono de ‘uma boca’, melhor”.

Fiquei refletindo com meus botões: porque a “sujeição” das mulheres é reproduzida (como nos casos que citei) por elas mesmas?  E o que me chama a atenção, também é, como esses episódios são encarados pela população? Bem, arrisco dizer que para as duas perguntas a resposta é uma só: a opressão e violência contra as mulheres é naturalizada! Por isso muitas vezes não há estranhamento.
É desde a tenra idade que começamos a construir nossa visão de mundo, nossa forma de nos relacionar com as pessoas, a partir de nossas experiências.

Podemos dizer, a partir da contribuição de muitos estudiosos do comportamento humano, que nossos desejos e interesses são construídos socialmente: o contexto histórico, o meio social (família, comunidade, país), as condições materiais e aspectos de saúde são elementos que influenciam diretamente no desenvolvimento cognitivo e no comportamental de uma criança (futuro adulto), como, apontou Jean Piaget em seus estudos sobre Os Processos de Aprendizagem Humano.
Bem, não é novidade que nossa sociedade brasileira é estruturada em, pelo menos, três grandes bases: capitalista, patriarcal (machista, sexista, heteronormativo) e racista. Assim sendo, nossa cultura é “orientada” a partir desse forte “sistema” para determinar “o lugar social” de cada pessoa! Dependendo do seu sexo, de sua orientação sexual, de sua raça, de sua classe, o sujeito terá maior ou menor valor social!
Vou me ater a falar um pouco da segunda base; no caso de nós mulheres, a opressão (e o desprestígio) começa antes mesmo de nascer; o que se fala ao saber que uma mulher está grávida de uma menina?

“- Vai nascer mais uma sofredora!”
“- Prenda essa cabrita, que os bodes estão soltos!”
“- Que bom que será uma menina... menina é mais companheira, mais caseira.”
“- Ainda bem que é uma menina... agora eu sei que vão cuidar de mim antes de morrer!”
“-Vou comprar um monte de bonecas pra ela...”

As expectativas para a vida de uma mulher enquanto “ser sujeito” à violação e violência; a ser cuidadora das pessoas idosas e doentes da família; a ser uma pessoa “do lar” e a ser mãe, já surgem antes mesmo de seu nascimento.
Na base desses pensamentos está a ideia da “mulher coisificada”: pronta para ser usada de todas as formas, acreditando, inclusive, que deseja esse lugar... e essa é a cilada cultural na qual estamos todas e todos inseridas/os e que precisamos romper!

Cabe registrar que os meninos (futuros homens) também “sofrem” expectativas, quando bebês; contudo, o lugar que é reservado “ao macho humano” é sempre de prestígio maior,  por conta do “sistema” que nossa sociedade vive e reproduz: ele é sempre “o provedor”, “o chefe da família”...  o poder maior é sempre do homem; e se for branco, rico e heterossexual, seu “status social” é ainda mais  forte!  Além disso, na relação com a mulher, nas mesmas situações citadas acima, o homem “é o bode”, “é o da rua” e “é o cuidado” por elas!   
E qual o resultado desse embrolho, na nossa realidade?
Trazendo um exemplo do cotidiano, quando uma mulher passa por uma situação de abuso sexual dentro de um transporte coletivo, por exemplo; a culpa e a vergonha que ela sente vem desse mesmo “balaio cultural”,  que acaba por “criminalizar” que na verdade é vítima; há sempre afirmações crueis, quando uma mulher sofre uma violação desse tipo ou até mesmo é estuprada: “-  também, com a roupa ela estava!”; ou ainda “-Isso é hora de uma mulher estar na rua?”. Todos esses processos são de massacre, humilhação e sofrimento para as mulheres... é retirar a responsabilidade dos homens enquanto violadores e criminosos. Então, Respeita as minas!
Outro dia vi numa rede social, um vídeo interessantíssimo: ele invertia os lugares nessa relação de poder e de opressão; nele os homens eram completamente assediados pelas mulheres nas ruas, nos ônibus, nos bares; as revistas e vídeos pornôs eram montados para satisfação sexual das mulheres; os comerciais de bebidas alcoolicas e carros eram protagonizados por homens semi-nus, os outdors traziam comerciais de casas de show utilizando homens “como isca” para as mulheres, os  trocadores de fraldas eram nos banheiros masculinos, homens apareciam com marcas de violência no corpo e acompanhados de suas esposas, dentre tantas outras situações nas quais as mulheres são “sujeitos coisificados” e/ou usadas para servir à família e à sociedade.
O legal desse curta foi a ideia dos homens “sentirem na pele” (e as mulheres se darem conta) da opressão e do processo de “instrumentalização” de seus “ser e corpo”; e o quanto isso é naturalizado!
Não é “natural” uma mulher querer trocar de calçada por que se sente desconfortável em passar por um grupo de homens!
Não é “natural” uma mulher se sentir mais segura sentada ao lado de outra mulher num transporte coletivo!

Não é “natural” um homem achar que pode sentar na mesa de uma mulher, só porque ela está sozinha!
Não é ”natural” uma mulher não querer sair sozinha!
Não é “natural” um homem assediar ou mesmo querer abusar sexualmente de uma mulher porque ela está com uma roupa curta ou sensual!
Não é “natural” o desejo de ser mãe!
Não é “natural” o olhar invasivo e violador do homem para uma mulher!
Não é “natural” o pavor de ser estuprada que uma mulher sente, quando caminha sozinha na rua!
Não é “natural” uma mulher apanhar do marido e continuar com ele por anos! 
Não é “natural” uma adolescente levar um tapa e não reagir!
Não é “natural” uma jovem só desejar namorar um homem que tenha um histórico de violência!

Então, respeitem as minas que não querem ser mãe; que são abusadas ou estupradas e denunciam (ou não); respeitem as minas que sofrem violência doméstica todos os dias, mas não conseguem sair da situação  porque não têm forças... sequer se enxergam enquanto “pessoas”; respeitem as minas que usam mini saia; respeitem as minas que ainda nem são “minas”de tão crianças... não retirem delas o direito à infância, a brincar livremente, a sairem nas ruas sem medo do vizinho, a sentar à vontade, sem que isso seja “uma tentação” às mentes machistas violadoras!
É preciso ter sempre um olhar atento às ciladas de nossa formação social e cultural enquanto mulheres e homens. Esse é um dever nosso, para não reproduzirmos com nossas crianças (nem em nosso cotidiano com outras pessoas) esse modelo patriarcal que nos coloca em lugares e com valores sociais desiguais.
Não há Liberdade, não há escolha em situação de opressão!

Respeitem as Minas!
Deixem as Minas viverem em paz!

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