O ROLÊ DE CARLINHOS
No sol de rachar
do meio dia, o chão escalda sob as ruas de paralelepípedos da comunidade do
Tururu. Dona Noêmia guarda seu burrinho para descansar um pouco e voltar ao
batente depois do almoço, vendendo seus legumes, verduras, frutas e a famosa
macaxeira papinha. Seu Antônio não mais descansa na cadeira de balanço do lado
de fora do bar, espera pra final da tarde porque o calor ninguém mais
aguenta. Zezinho e Xandy não fecham as
oficinas esperando os clientes do intervalo do trabalho para levarem suas
bicicletas quebradas ou apenas para encher o pneu. A comunidade dá quase uma
“meia parada”, pois “a lua” do meio dia, tá foda, a quentura faz suar todo o
corpo e a vontade de dar um cochilo é eminente.
Mas tem duas
figurinhas que não tão nem ai pro calor, que não estão nem ai pra hora do
almoço. Lá de longe vindo da Avenida
Floresta, pela rua São João Evangelista, mais precisamente de fronte a
Assembleia de Deus, vem Carlinhos e seu amigo, ambos de seis anos de idade.
Estão desprendidos do mundo, fugidos aos olhos de qualquer adulto responsável,
sem rumo, sem direção, sem nada que os atrapalhem. Estão dando um rolê na
comunidade.
Vejam só: duas
crianças que nem tamanho tem, que deveriam estar na escola ou em algum projeto
social, resguardados pelos seus pais... Mas não! Estão vendo “qual a de merma”
no Tururu. Passam por várias ruas, cumprimentam várias pessoas, tocam as
campainhas que podem das casas, pedem copos de água, recebem confeitos e ficam
felizes, sem amarras, são livres. Suas mães ninguém sabem onde estão, seus pais
muito menos, irmãos tem de muitos, mas cada qual com seus caminhos que nesta
tarde ensolarada não irá se cruzar nos caminhos de Carlinhos e seu amigo.
Eles andam
abraçados, como se fossem um só, “um por todos e todos por um!”. Riem de tudo e
de todos. Cai a tarde e seu último passeio se dá pela rua Santa Elizabeth.
Conquistaram tudo que poderiam conquistar naquele dia: ar puro, lamas nos pés,
um “samboque” que se foi do calcanhar do amigo de Carlinhos, devido a uma queda
que levou da bicicleta e acima de tudo se desviaram dos compromissos de criança-adulto,
ou melhor, dos compromissos deles, que é cuidar dos irmãos mais novos, levar
tapa todo dia e da creche que pra eles é um saco.
Carlinhos e seu
amigo são livres porque dão um rolê pela comunidade.
Coletivo
Força Tururu
Perfeito...
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