AS PESSOAS NÃO SÃO MÁS, ELAS ESTÃO APENAS PERDIDAS




  
Lá vai Nino, uma criança muito esperta, por entre as ruas do Tururu, jogando bola, empinando pipa, subindo nas árvores e tocando a campainha do povo. Lá vai nino com seus menos de 1 metro e meio, cheio de saúde e disposição para brincar. Quando pode faz os “corre” num “trampo”, se junta com as amizades, joga um lixo aqui, outro acolá e o povo gosta, sempre retribuindo ele com alguns centavos de real.

Lá vai Nino, velho! Com seu potencial de atleta, correndo como ninguém, desviando como um capoeirista dos golpes de vassoura que sua mãe lhe dava na hora da “pisa”. Parecia que via tudo em câmera lenta, quando o cabo vinha pela direita, ele imediatamente se esquivava pela esquerda, quando a chinela voava, premeditava sua direção e se esquivava como um verdadeiro mestre das artes maciais.  Diziam: esse Nino é fogo, se livra agora, mas um dia a mãe pega ele.

Lá vai Nino pra escola, tentando aprender a ler, se confundindo com os cálculos de matemática e se divertindo com a merenda na hora do recreio. Era bom aluno, não era de arrumar confusão, se dava bem com todos e com tudo, sem tempo ruim pra ele, quando era hora de largar lá ia Nino em disparada pra casa perguntar a sua mãe se estava tudo bem e ela já tinha esquecido que ele “merecia” umas tapas. A mãe nem ligava mais, não lembrava o que ele tinha feito. Nino ficava muito feliz com isso, pensava ele talvez que nunca iria repetir tal artimanha que irritasse a sua mãe.

Quem olhasse pra Nino saberia que ele cresceria um negão forte e inteligente, sempre pronto a ajudar a sua mãe, cheio de amizades legais que “chegava junto” e ele sempre parceiro também. Era um grande camarada. Que conhecia as ruas do Tururu como ninguém apesar da pouca idade. Bastante autônomo, sabia o que comprar no mercadinho, ele mesmo escolhia suas roupas de fim de ano, o jeito de arrumar seu cabelo e se calçava sandálias quando ia pra rua ou não. Nino criança fazia muita coisa boa na vida.

Lá vai Nino, agora adolescente. Como pensamos ele cresceu um negão forte, gigante, com a voz grossa e os olhos um pouco amarelados, não sabemos o porquê. A adolescência pra Nino veio com mudanças estruturais muito fortes. Conheceu gente nova e tudo começou a se modificar. Ele precisava se vestir melhor, tava namorando. Precisava dar condições de vida melhor a sua mãe, que tava doente. Precisava arrumar uma grana, porque tava desempregado. E o que tinha mais perto dele, mais fácil de se conseguir (fácil um caralho!) era a bandidagem. Um assalto aqui outro ali e lá vai Nino conquistar uma grana a mais de cada dia. Quem era Nino... Um pirralho super massa e agora envolvido nessa bandidagem toda, dava uma pena e medo.

Lá se foi Nino! Olhando aqui pra ele no chão, com 19 anos, penso que ele não irá mais para canto nenhum. Foi pego assaltando e a polícia não teve dó, meteu bala pra cima dele, cinco tiros de 9mm, 4 o acertaram, três nas costas e um no cocão. Nino já não vai mais lá, vai pra outro lugar ao encontro de tantos outros jovens pretos que morreram antes dele. Se eu fosse só olhar pra Nino desse jeito como estou vendo agora, acharia que ele sempre foi uma pessoa mal, que merecia a morte, porque pra muitos bandido bom é bandido morto. Mas conheci Nino andando pelas ruas da comunidade ajudando sua mãe e tendo a vida sofrida como muitos garotos desse país. Ele não era mal, estava apenas perdido.

Coletivo Força Tururu

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