Intercâmbio do Coletivo Tururu no Rio de Janeiro: histórias para se multiplicar



Não será fácil para mim escrever esse texto sobre o nosso intercâmbio no Rio de Janeiro, sem em alguns momentos, usar da subjetividade, elencando vários pontos que, na verdade, só quem entenderá sou eu e os amigos que participaram junto comigo desse momento.

Já participei na minha vida de militante de outros intercâmbios que ajudaram na minha formação social e todo o aprendizado foi multiplicado nos espaços onde atuo como pedagogo, porém esse do Rio de Janeiro foi feito com uma intensidade particular, tendo em vista o processo de articulação que foi feito com parceiros que de pronto atenderam ao chamado e fizeram uma acolhida sensacional.

A articulação com parceiros no Rio de Janeiro se deu, sobretudo pelas mídias sociais. Identificávamos possíveis coletivos que tem o trabalho semelhante ao do Coletivo Força Tururu e entrávamos em contato. Neste sentido vimos a possibilidade de dialogar com o pessoal do Maré Vive (do complexo de favelas da Maré), Papo Reto (do complexo de favelas do Alemão) e ocorreu outras tentativas com o pessoal da Rocinha e da Cidade de Deus, porém sem muitos êxito. Acredito que não “rolou” mais pela falta de nossa insistência, que talvez fosse importante.


Ainda pudemos abrir um canal de conversa com a Ong Cinema Nosso e entramos em contato com o pessoal da Pastoral da Juventude do Meio Popular - PJMP, para que pudéssemos dar um rolê pela Rocinha, porém sem muitos compromissos. E assim montamos uma programação de quatro dias que foram intensos.

No sábado (13 de Julho) iniciamos o intercâmbio com uma visita a Maré. Poderia elencar vários pontos aqui de uma vivência naquela favela que fugia do nosso cotidiano habitual no Tururu, dos aparatos de guerra registrados com nossos olhares, de  sentimentos nossos e da juventude que sem possibilidade de conquistar ou de almejar algo na vida se entrega a tentações mais palpáveis que são encontradas nos becos e vielas da favela. Há intensas subjetividades nesse parágrafo que prefiro guardar para mim.

Porém o que é importante ressaltar de nossa visita a Maré é a quantidade enorme de comércio que gera renda aos moradores, as organizações de vida que existem lá, com instituições que trabalham fortemente o enfrentamento à violência, aos desmandos do Estado, que incidem na perspectiva da organização popular. Como aquele povo lá é feliz, com crianças nas ruas se divertindo, gente descontraída que quer viver e conviver na sua quebrada.



Havia consenso entres os moradores do medo que habita quando o Estado na forma da polícia invade a localidade, com seus “caveirões” e de um Batalhão (BOPE) que já virou até filme, mas que espanta muita gente quando “dá as caras” nas entradas da favela. O medo é geral e se faz presente, porque nessa desesperada e errônea guerra dos governos contra as drogas o maior perdedor de tudo isso é a população que tem suas casas metralhadas e são abusadas pelo Estado nas mais diferentes formas: não tendo seu direito de ir e vir, são roubadas, humilhadas, presas e mortas.

A guerra contra as drogas que o Estado promove é basicamente para matar preto, pobre e morador de favela, foram milhares de fuzilamentos no país em muitos anos e eles não se tocaram que essa guerra não é o melhor caminho a ser tomado.  Enfrentam como cães vorazes o traficante varejista da favela, porém quem vende no atacado e se beneficia com essa guerra inútil nunca é confrontado.

A nossa visita na Maré finalizou com uma confraternização, num bar, tomando uma cerveja bastante gelada, do povo feliz de estar recebendo os pernambucanos. Encontrávamos muita gente do Nordeste ou filho de nordestino e a cada encontro era uma festa: “que saudades de Pernambuco!” dizia uma senhora bastante saudosista que mora no Rio de Janeiro há mais de 30 anos.

Nosso compromisso seguinte, no dia 14, foi com a Ong Cinema Nosso. Uma conversa bastante interessante que gerou uma troca de experiências significativa do que a gente levou e do que eles deixaram para a gente. Três horas de um bate papo super descontraído, uma recepção maravilhosa e uma ousadia que nos permitiu dizer: “quem dera que tivéssemos tantos instrumentos de comunicação como vocês”.


Falei para o pessoal do Cinema Nosso que iria “aperrear” eles, os incluindo na nossa mala direta, que enviamos as autoridades, jornais, sites, agências financeiras, tudo que organizamos e desenvolvemos no trimestre. A nossa comunicação é dinâmica, visa do micro ao macro. Abrindo aqui um “parêntese”, por exemplo, os textos deste blog são lidos mais de cinco países, tem uma galera fiel que está sempre aqui acompanhando o que o Coletivo Força Tururu está construindo.

À tarde foi nosso encontro com a Rocinha. Infelizmente não houve a possibilidade de uma articulação com algum coletivo que trabalha com comunicação popular e ficamos sabendo em cima da hora, já quando não dava para agendar nada, de uma dupla de jovens que produz um jornal comunitário bem na linha do nosso “Articula Tururu”, dando vez e voz à comunidade, mas não deu pra “colar” nesse intercâmbio.

Como foi dito acima fortalecemos o contato com o pessoal da Pastoral da Juventude do Meio Popular – PJMP, que com muita atenção, mobilizou uma companheira, a Juliana, para dar esse “rolê de turista” na Dona Roça. É lógico que foi intenso. Dialogamos com a população, caminhamos pelas ruas e becos, conhecemos a história da favela e pudemos ver lá do alto aquela linda visão que contemplava morros, praia, pontos turísticos e a movimentação do Rio de Janeiro. Foi lindo.

A cada porta aberta dos becos na principal da Rocinha víamos um mundo de gente, com casas erguidas umas em cima das outras, que sem dúvidas foram construídas com muito suor, dedicação e que eram chamadas de “meu lar, nosso lar” ... A linda Rocinha! Estava falando para meus filhos que iria voltar ali só que agora com eles.

Nossa última parada nesse intercâmbio (16.07) foi no Complexo de Favelas do Alemão. O rolê não foi muito, mas a conversa com o pessoal do Coletivo Papo Reto foi forte demais. Poder enxergar o envolvimento deles com a favela, sua missão na construção de um mundo melhor, na “responsa “que possuem de enfrentamento das violações do Estado é algo de tirar o chapéu, trazer para nossa realidade e ser parecido com eles. Na conversa em meio a tantas histórias tristes contadas o que pudemos fazer naquele momento era se solidarizar e deixarmos o recardo de que eles não estão sós.



Ouvir história de amigos que foram mortos, da truculência dos policiais, das violações promovidas pelo Estado para estigmatizar o local, não é nada fácil, lembra o quanto de coisas temos no Tururu por fazer e que não foram feitas pela má vontade dos governantes e também pela nossa falta de organização, porque se a gente se junta e faz movimentações sociais, sem dúvidas muitas estruturas são modificadas.

Bom... Muitos desses intercâmbios devem ter ocorrido em vários outros locais desenvolvidos por outros tantos grupos, mas esse, neste aspecto, para nós do Coletivo Força Tururu, foi o primeiro e quando algo é desenvolvido nessa intensidade de reuniões, diálogos, troca de experiências, fica sempre um gostinho de quero mais, de satisfação do trabalho que se é feito e de refletir que muita coisa ainda precisa ser feita para mudar essa realidade tão sofrida que o povo pobre vive.

É foda, tudo para o povo pobre é muito difícil e não tem outro jeito de mudar se não for a organização popular. Eles por eles, os políticos, sobretudo aqueles que são eleitos a partir do financiamento de grandes grupos empresariais, pouco se importam com a população no final, querem apenas encher suas barrigas gordas com nossas desgraças e encher as barrigas gordas de seus patrões.

Por aqui nós continuaremos, com a missão de propagar os sentimentos e diálogos que coexistiram neste intercâmbio entre o Coletivo Força Tururu e outros Coletivos do Rio de Janeiro.

Desistir, velho, não dá! Resistir será nossa essência.
Obrigado Rio de Janeiro, obrigado Maré Vive, Obrigado Papo Reto, Obrigado PJMP, obrigado Cinema Nosso, obrigado moradores.
Muito respeito por vocês!

Por André Fidelis

Pedagogo e integrante do Coletivo Força Tururu



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