ENTREVISTA COM KARINA AGRA SOBRE MEIO AMBIENTE, DIREITOS E LUTA

 




Uma mulher potente, na resistência e de luta, que tem travado trincheiras importantes com grande corporações imobiliárias para ter o seu direito, e de muitos, da moradia, do trabalho, garantidos. Comunidades pesqueiras, moradores tem se organizado para dizer não às articulações da prefeitura com empreiteiras que tem prejudicado muitas pessoas na área litorânea da cidade de Paulista (PE). Nossa entrevista no mês da mulher é com Karina Agra, artista visual, educadora social, moradora há 42 anos da cidade que tem muita coisa para contar.

 

Coletivo Força Tururu: Para você, como é viver na cidade de Paulista?

 

Karina Agra: Eu cheguei aqui em 1980, a PE 22 (importante rodovia da cidade) ainda era barro, moro em uma das primeiras vilas da área e eu venho acompanhando toda essa questão da degradação ambiental da praia. Tive uma infância maravilhosa por aqui, o local era cheio de cajueiros e minha infância foi muito privilegiada, à título de natureza, de segurança, um lugar incrível! Na praia tinha uma faixa de areia gigante, cascalho quando entrávamos na água. E como eu moro aqui há 42 anos, acompanhar todo esse abandono e essa degradação que vem acontecendo na cidade para mim é muito forte.

 

Coletivo Força Tururu: O que, na sua opinião, causou esse abandono, essa degradação ambiental?

 

Karina Agra: Paulista sempre foi encarada como uma cidade dormitório, as pessoas vêm descansar e vão trabalhar em Recife.  De um tempo para cá surgiram mais fábricas, oportunidades de trabalho e ao mesmo tempo não respeitando a questão da natureza, da preservação.  Esse crescimento imobiliário e industrial que está ocorrendo na cidade tem se somado a essa degradação, porque não há nada de construções sustentáveis.

 

Aqui é tida como uma “terra de coronéis”, uma tradição de muito tempo, de ser administrada por pessoas que fazem parte de uma política mofada, obsoleta, viciada em corrupção, viciada em trocas. Então a preservação ambiental na cidade, a acessibilidade, a estrutura para o cidadão comum, nós, sempre foi colocada em segundo plano.

 

As administrações que ocorreram na cidade são conhecidas por não valorizar os pontos primordiais, que uma gestão deve trabalhar, que são os direitos básicos nossos, cidadãos e também a responsabilidade ambiental e aí entram todas aquelas articulações políticas de interesses pessoais que, infelizmente, sabemos como funciona.

 

Foram feitos inúmeros condomínios, invasões imobiliárias. E isso é interessante porque quando pensando em invasões, sempre nos remete às pequenas casas que estão alojadas próximas à mangues, mas a pior degradação e invasões que existe são esses imensos condomínios, porque deixam áreas antes públicas como privativas, desembocam seus esgotos na praia!

 

De 10 anos para cá as coisas aumentaram bastante, somando-se a falta de saneamento básico. Quantas pessoas moram nesses condomínios que colaboram negativamente para a poluição?  Não podemos deixar de falar sobre isso, pois não existe um cuidado com este fato e só existem interesses capitalistas.  Até hoje não há, por parte da prefeitura, um trabalho de coleta seletiva de lixo, que é uma coisa mínima.

 

 

Coletivo Força Tururu: Em 2022 o Coletivo Força Tururu junto com o Coletivo Salve Maria Farinha acompanhou alguns problemas na área litorânea da cidade de Paulista, muito pela força das empreiteiras que estão prejudicando moradores, comerciantes, comunidades pesqueiras e o meio ambiente.

Disso fizemos várias matérias sobre este assunto. Um ano se passou e voltamos ao mesmo local para fazer uma série de reportagens e notamos que isso se agravou.  Você concorda com esse agravamento de problemas socioambientais na área litorânea da cidade?

 

 

Karina Agra: Está cada vez mais grave e os problemas só aumentam e não se vê um espaço de debate, de discussão, onde a sociedade civil possa chegar, colaborar e trabalhar junto nesse resgate, nesse cuidado, porque não é uma coisa de se construir, é preciso reconstruir o que foi detonado, acabado pela especulação imobiliária, pelo interesse político e estamos passando por uma situação na praia de Maria Farinha, onde estamos sendo pressionados a sair de uma forma totalmente desumana, a prefeitura não abre diálogo.

 

Nós não somos contra o desenvolvimento, mas queremos participar desse debate de forma digna. Na faixa de praia de Maria Farinha (bairro onde ela mora), tem trabalhadores que estão ali há mais de 40 anos, trabalhando turismo, de forma proativa, sem apoio nenhum da gestão. E agora chega um grupo gigante querendo fazer um “higienismo social”, tirar as pessoas dali para abrir uma licitação para concorrer com o estado inteiro.  Existem várias possibilidades para isso, a fim de contemplar quem já trabalha ali com o turismo.

 

 

Coletivo Força Tururu: Na sua visão, tem alguma situação para todos esses problemas apresentados por você? Poderia listar alguns?

 

Karina Agra: Sobre o fechamento de acesso à praia (O Grupo Votorantim fechou o acesso à praia no bairro prejudicando moradores, comerciantes e comunidades pesqueiras), uma solução seria a requalificação, o cadastro definitivo dos comerciantes e trabalhar no formato sustentável, respeitando a natureza. Para quem é morador ser transferido a um projeto habitacional, porque tem famílias ali em estado de vulnerabilidade (o avanço do mar destruiu moradias), fazendo uma coisa justa para todos os lados e continuar fazendo nosso trabalho turístico de maneira decente. Não estamos acusando sem solução.

 

Sobre a responsabilidade ambiental, definitivamente a prefeitura começar a fazer a coleta seletiva de lixo, é um trabalho lento, gradual, mas as pessoas aprendem como fazer isso e isso é de responsabilidade do poder público, precisamos preservar nossas praias e mangues.

 

Responsabilizar os condomínios em relação à degradação! E para isso tudo acontecer tem que ter o espaço da sociedade civil na gestão, com lugar de fala, reuniões, participação coletiva, apropriação de leis, soluções, pensar junto, mas a população não tem espaço para isso.

 

 


Coletivo Força Tururu: Nesta área é um local de desova de tartarugas, não é isso?

 

Karina Agra: Temos constatados muitas mortes de tartarugas neste local, inclusive só este ano apareceram também dois golfinhos mortos.  Existem muitas formas arbitrárias de pesca, “redes fantasmas”, que ficam embaixo da água, redes de espera… Tem muita coisa que não é fiscalizada e quando acontece a morte desses animais a prefeitura, a gestão coloca a culpa no cidadão, mas não há trabalho consciente em relação a isso.

 

Aqui é uma área muito forte de desova de tartaruga, onde poderíamos pontuar os locais de desovas e não ser permitidas grandes construções, porque a luz dos condomínios interferem, a faixa de areia interfere e tudo isso tem que ser somado, porque acima de tudo é a natureza.  É necessário refletir as construções como ecológicas, com participação de grupos de preservação e isso não é impossível de se fazer.

 

Na área dos bares há um trabalho muito importante de preservação, de cuidado com as tartarugas e a conscientização ambiental tem sido feita. Já vi várias desovas de tartarugas, coisa mais linda! E quem passa por lá vai ver que tem sempre um ninho com uma placa comunicando. Os ocupantes da orla, que são moradores antigos, têm esse cuidado com o espaço.

 

A própria prefeitura é culpada pela degradação ambiental e não nós, porque nossa parte a gente faz, então é importante deixar claro, porque há um olhar ecológico dos ocupantes para preservação das tartarugas.

 

 


Coletivo Força Tururu: Já vimos que há bastante problemas socioambientais ai nesta área, muitos são graves, por sinal. A curto e médio prazo, quais são os maiores medos de vocês?

 

Karina Agra: As preocupações são várias: desde os territórios pesqueiros, que a partir desta invasão imobiliária, as pessoas estão sendo retiradas de sua fonte de renda.

 

Na sentença que saiu diz que a prefeitura pode dar um auxílio moradia, o que é isso? R$ 250,00? A pessoa sair da sua casa, do seu ponto de pesca para receber só isso por mês?  Esses pontos precisam ser preservados e contemplados porque isso é cultura, isso é história, é tradição e o que ocorre é um inverso, os moradores estão sendo rechaçados, tendo sua importância diminuída.

 

Há construções intensas vindo ocorrendo, onde muitos não trabalham a questão ambiental e os condomínios, principalmente, são muito cruéis, no adoecimento da fauna marinha, nas mortes das tartarugas que aparecem sufocadas de plástico, a poluição das águas com o despejo de fossas direto no mar. Somando isso com os anos, imagina o que vai acontecer.

 

A praia do Janga (bairro próximo à Maria Farinha) morreu, você pisa na areia, não é areia mais, é lama. Não existe uma solução que se pense a longo prazo para isso. A força da maré com essas construções está aumentando cada vez mais e há moradores que precisam ser remanejados de suas casas. Não há um trabalho de contenção do mar.

 

Temos 1,5 km sem acesso à praia (fechados por grupos empreiteiros). Onde deveriam ter quatro entradas! Se uma pessoa passar mal, que é moradora do local, não tem como ser socorrida, ainda mais se a maré estiver alta, porque não há acesso.

 

 

Coletivo Força Tururu: Qual recado você deixa para quem for ler esta entrevista?

 

Karina Agra: Importante que as pessoas reconstruam o seu olhar para, de fato, saber diferenciar quem faz e quem diz que faz. Os ocupantes daquela área trabalham, mostram, dependem do mar e trabalham com o amor e o recado que precisamos dar é olhar a natureza de uma forma mais justa, ela existe antes de chegarmos aqui, precisamos olhar com amor e olhar a classe trabalhadora com mais amor e justiça, lutando por nossos direitos.

 

Espero muito que a sociedade civil chegue mais junto, aprendendo a reivindicar seus direitos.

 

 


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