Senhores passageiros: Identificaram mais um preto!
Por
Cidicleiton Luiz, integrante do Coletivo Força Tururu
Após uma imersão entre comunicadores em Salvador,
na Bahia, estou eu, negão, careca, 37 anos, trajando bermuda e camiseta, de
tênis, e um sorriso sereno, prestes a embarcar na viagem planejada, com mais
cinco amigos integrantes do Coletivo Força Tururu. Dividindo o entusiasmo pelas
possibilidades de criar novas coisas, o que vivenciamos nesta experiência, em
memórias que serão inesquecíveis. Era o dia de lavagem da escadaria do Bonfim,
mas já no aeroporto: malas sendo despachadas, poucas pessoas para embarque e
aquela voz dos anúncios no alto-falante. No entanto, o que deveria ser apenas
mais uma etapa do percurso se tornou um episódio de "procedimento padrão".
Nós seis entregamos nossas malas sem dificuldades,
ao passar pelo controle de segurança, meu cinto é detectado, retorno, retiro,
boto na esteira e passo. Mas, enquanto
os demais eram liberados, fui avisado por uma agente da segurança
aeroportuária:
— Senhor, você foi selecionado para uma averiguação
padrão, poderia acompanhar nosso agente? Ele vai lhe conduzir.
Não sei quem deu o “bizu” no ouvido dela, mas tem
provavelmente o mesmo sotaque indetectável que os dois trabalhadores que
dialogaram comigo.
Os olhos dos dois amigos que já tinham passado se
cruzaram, confusos e atentos, devem ter se perguntado "Averiguação? Por
quê?". Mas não disseram nada. Mantive a calma, dei um riso e
tranquilamente me perguntei: por que eu? Tudo isso em fração de segundos.
— Claro, sem problemas — respondi, e segui o agente
até uma parte reservada, ali próximo, onde tinha uma mesa com estrutura de
acrílico.
Ali,
juntamente com todos os que estavam passando pelo controle, minha mochila foi
completamente revistada. Ele, com suas luvas brancas emborrachadas, aparentando
não ter nem 30 anos, abria cada compartimento com precisão e sem pressa. A necessaire, as roupas dobradas
cuidadosamente, tudo foi examinado. Nada foi encontrado, porque não havia nada
a ser encontrado.
Quando a inspeção terminou, o agente devolveu minha
mochila e agradeceu. Eu olho ao redor com cara de questionamento e pergunto se
teria algo mais no que poderia ajudá-lo, lógico com tom de deboche. Ele apenas
disse "Está liberado". Saio do
local demarcado e vou em direção aos outros componentes do Coletivo, que
esperavam com uma pergunta pronta.
— Por que só você? — perguntou um deles, indignado
e afirmando.
— Tá ligado, o que é isso, né?
Suspirei, conhecendo a resposta que ninguém ousava
dizer em voz alta: eu sou o de pele mais escura do grupo. Era como se minha
aparência fosse suficiente para me colocar sob suspeita para a pessoa que só me
viu por uma tela, enquanto meus amigos pardos, brancos, passavam sem problemas.
Este episódio, infelizmente, é comum nos
aeroportos, supermercados e bancos brasileiros e reflete uma realidade dura e
persistente: o racismo estrutural. Apesar dos avanços na luta pela igualdade, o
preconceito ainda é uma barreira invisível que impacta milhões de brasileiros
todos os dias. O que ocorreu comigo não
foi um caso isolado, mas um lembrete do quanto ainda precisamos avançar
como sociedade.
Continuamos nossa viagem, de volta da minha
primeira vez em Salvador, mas aquela experiência ficou marcada em minha
memória. Trago este relato em tempo de deixar à luz uma prática que muitos
fingem não existir, mas também de cabeça erguida, pois ao não encontrarem nada
do que procuravam comigo em seu “procedimento padrão” provamos para o sistema
que a cor de nossa pele não é algo negativo.
Logo na Bahia.
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