Intercâmbio Salvador [parte 01]: Entre “Bocão” e “Cardinot” a comunicação popular mobiliza e articula a luta pela garantia de Direitos Humanos.

 


Saímos, em grande maioria, da comunidade do Tururu no dia 10 de Janeiro de 2025 com destino à cidade de Salvador -BA. Chegamos na totalidade de oito integrantes na cidade, em dias diferentes, mas com o mesmo propósito. O objetivo da viagem seria a realização do que chamamos de “intercâmbio”. Um momento de troca e compartilhamento de vivências com outros coletivos de comunicação popular e comunitária. Há alguns anos, decidimos inserir nos nossos recursos, sempre que possível, esse tipo de atividade. Em 2019, fomos para o Rio de Janeiro, na ocasião, conhecemos a favela da Maré juntamente com o Coletivo Maré Vive, fomos no complexo do Alemão, e trocamos com o Coletivo Papo Reto e outros comunicadores que são referências na nossa luta diária enquanto coletivo de comunicação popular. Nos anos seguintes, fomos para União dos Palmares -PE e Solânia-PB em 2021.  A ideia é que fizéssemos um intercâmbio por ano. Todavia, as limitações financeiras e o aumento de atividades no nosso território, só possibilitou que retomássemos com os intercâmbios em 2025.

No dia 13/01/25, conhecemos a Agência Nacional das Favelas, localizada no histórico bairro da Paz, a partir da articulação que fizemos com o comunicador, Paulo de Almeida. Paulo, jornalista de formação e referência na comunicação popular, é parceiro de muitas lutas, pernambucano, mas morador do bairro da Paz desde a infância.  Paulo nos explica que a história do bairro da paz, antigamente conhecido como ocupação das Malvinas, passa necessariamente pela luta por moradia. O bairro existe há quarenta e dois anos e tem a comunicação popular como instrumento estratégico de articulação na luta pela garantia de Direitos.

 


Durante o processo de ocupação dos moradores no território e os conflitos e disputas que marcam a formação do bairro, os moradores se revezavam no alto da comunidade e ao avistarem os cavalos, avisavam aos para demais sobre a chegada da Polícia no território. As moradias e as vidas que se cruzam no bairro da paz são frutos dessas lutas, muita gente foi presa ou deixou o território com medo de perder a vida, muito sangue derramado, para que o bairro hoje fosse ocupado de forma plural e não fosse palco para construção de empreendimentos elitistas.  A praça das decisões, logo na entrada do bairro, hoje símbolo de luta para os moradores, era onde os moradores se reuniam e decidiam quais caminhos a luta trilharia.  Hoje, o bairro é uma espécie de ilha de concreto, como disse Paulo, contra a especulação imobiliária que avança nos arredores da região invisibilizando o bairro da Paz. Além de ser a única periferia que acompanha a Av. Paralela na cidade de Salvador. Quando caminhamos pelo bairro, após o almoço vimos a construção de grandes condomínios que tangenciam o bairro. Essas construções acabam invisibilizando o bairro da Paz e aos poucos vão sufocando o acesso e a moradia do bairro.  

 

Nosso encontro se dividiu entre a sede da Agência Nacional das Favelas e a Escola Municipal Nossa Senhora da Paz e contou a presença de outros comunicadores e comunicadoras das periferias de Salvador-BA, São Sebastião do Passé-BA e Paulista-PE.

Entre as falas sobre as estratégias de financiamento, dores e sonhos compartilhados, o ponto que deu origem ao surgimento dos coletivos e da instrumentalização da comunicação popular por muitos comunicadores e comunicadoras ali presente foi a necessidade de enfrentamento das narrativas criminalizadora da mídia hegemônica e como esse processo de criminalização destrói a vida na periferia. Portanto, a necessidade de construir as próprias narrativas sobre o local que pertencemos e sobre as nossas próprias vidas é uma questão de sobrevivência. O encontro de cada comunicador e comunicadora com a comunicação popular e a sua instrumentalização na disputa contra quem nos criminaliza sempre foi uma questão de sobrevivência.

 


Aos poucos fomos lembrando de fatos que são consequências direta desse processo de criminalização como o desvio de uma linha de ônibus que não entra na comunidade, por receio da violência, fechamento de postos de saúde, ausência de coleta do lixo por empresas públicas e a presença ostensiva da polícia nesses territórios. Além disso, questões mais individuais, como precisar mudar o endereço em uma entrevista de emprego, por receio de não ser contratado por ser morador(a) de certo bairro.

 

As narrativas crimalizadoras sobre o que somos e onde moramos são reforçadas diariamente em programas policialescos que ocupam há décadas horários em que fazemos nossas refeições. Os âncoras desses programas mudam no decorrer dos anos e das regiões, mas os lucros com publicidade entre reportagens sobre as nossas misérias são cada vez maiores.

 

Essa pauta, comum aos coletivos reunidos, veio a tona partir da fala de André, integrante e um dos fundadores do Coletivo Força Tururu, que problematizou sobre os alertas do UBER ao nos levar para o bairro da paz. Essa fala do trabalhador é o que chega pela grande mídia. Paulo disse que o bairro ainda é associado ao período dos conflitos do período em que o bairro ficou conhecido como ocupação Malvina.

 

Passamos o dia no bairro da paz, e o que vimos foi um espaço de muita coletividade e resistência, além do melhor almoço e pizza que se pode comer na região metropolitana de Salvador, podemos te garantir! Enquanto conversávamos sobre comunicação, lembrei de uma fala da comunicadora e parceira, Gizele Martins sobre a comunicação popular:

 

“A comunicação popular é um meio, uma defesa das nossas identidades, dos nossos povos. É onde podemos escrever para nós, respeitando o nosso lugar de fala. É nessa comunicação que fazemos a memória das nossas lutas e vida. Precisamos produzir mais meios de comunicação, aumentar nossos esforços para combater as outras mídias que nos criminalizam.” (MARTINS,2019)

 

É certo que voltamos para o Tururu trazendo um pouquinho do bairro da Paz conosco. Vida longa aos comunicadores e comunicadoras populares e a comunicação popular que nos salva todos os dias e possibilita esses encontros!

 

 

Referências

https://www.brasildefato.com.br/2019/07/24/quatro-anos-sem-vito-giannotti-uma-vida-dedicada-a-comunicacao-popular, 2019.

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