A MINHA ALMA DESGARRADA

Despertado agora, via meu corpo ensanguentado se debatendo no chão e aqueles que me acertaram 4 tiros na cabeça diziam que eu merecia que tocasse fogo em mim, eles estavam com ódio. Não demorou muito a cena de meu corpo no chão que eu via já não existia mais, fui levado a outro lugar, pessoas gritavam, se arrastavam como cobras enfileiradas em uma vala que corria água podre e pela segunda vez na mesma noite fui alvejado na cabeça, uma paulada forte que me fez cair novamente. Meus olhos se esbugalharam de tanto medo e ao olhar de lado me deparei com outros olhos que estavam da mesma forma que o meu.

Alguém puxava meu braço, uma senhora que tinha poucos dentes na boca vomitava sem parar. Tentava ver quem me bateu na cabeça mas não conseguia, num piscar de olhos e de medo começou a se amontoar uma centena de pessoas, todas com feridas pelo corpo se debatendo convulsionadas. Consegui me ajoelhar e aos quatro pés como um cachorro me distanciei um pouco daquela imensidão de gente que gritava por socorro. Me sentei em um toco partido de árvore para tentar respirar um pouco mais, olhei mais a frente e foi ai que vi Rafa, um amigo que assim como eu tinha sido morto na comunidade. Foi ai que eu percebi que virei uma triste alma sem rumo que foi desgarrada dessa vida impiedosa que eu vivia de cutruca o tempo todo.

Apavorei-me e na primeira oportunidade que tive sai correndo gritando, tentei ir em direção a Rafa, mas tantos outros estavam lá agarrados com ele, sem deixá-lo respirar. O seu rosto era de desespero puro, ele tremia bastante. Corri então em outra direção. Dez passos mais à frente vi que não poderia deixá-lo lá e pela terceira vez em uma mesma noite minha cabeça foi acertada. Um senhor com um bigode imenso deitou-se ao meu lado e começou a gritar coisas que eu tinha feito na minha vida, coisas de violência, das mortes que eu carregava nas minhas costas, das “cocós” que planejei com as pessoas, das mulheres que eu bati e tudo aquilo soava como se vários outros tiros me acertassem a todo momento. Eles diziam o que eu sabia, mas preferia não saber, eles falavam de minhas maldades.

Por muito tempo ouvi esses gritos e essas pessoas perdidas assim como eu. Por mais que eu tentasse não conseguia chegar em Rafa, ele parecia perto, mas estava muito distante. Olhava para ele e não o via mais com o rosto de sempre, a cada minuto ao que parecia desconfigurava e o pior que ele nunca olhou pra mim, ele só tentava se desvencilhar daquelas pessoas que o agarravam e o torturavam.  Não sei porque, mas por algum motivo comecei a lembrar das pessoas que matei, o que cada uma delas tinha feito realmente pra mim e comecei a perceber que foram todas mortas por motivos torpe, banais... Eu atirei sem pensar. Assumi uma guerra dentro e fora de mim que não era minha, tinha medo de perder o controle das coisas e não confiava em ninguém. A cada alma que eu enviava primeiro que eu era um alívio, mas saberia que tantas outras ainda tinha por mandar. Minha vida era só crime era só conflitos.

Quando comecei a perceber isso, aqueles que me aterrorizavam e me faziam mal neste lugar onde eu estava começaram a ir, um a um, quando me senti sozinho, todos foram embora, não consegui mais saber qual foi o destino de Rafa, não o reconhecia mais na multidão, seu rosto não era mais como antes, não sabia mais quem era.  Meu corpo estava todo dolorido, sentia câimbras, meu cabelo estava quase todo caído, minha pele como escamas de peixe e tinha perdido a visão de um dos olhos. Não tinha saliva mais na boca, aos cortes que me ocorria em todo corpo sangue já não saia mais. Eu já quase não mais existia.

Um silêncio muito grande tomou conta daquele lugar que agora era o nada, aos poucos meus pensamentos estavam sumindo, não conseguia mais lembrar da pessoa que eu fui um dia, só pensava no agora e o futuro também não importava.  Aos poucos um pingo de força tomou conta de mim e pude me levantar, consegui enxergar um rastro de luz e segui cegamente ao encontro dele, me rastejei, andei e corri o máximo que podia, cai inúmeras vezes até alcançar essa luz    . A última coisa que me lembro foi isso, quando minha consciência retomou eu era um bebê que acabara de nascer, chorando descontroladamente! Depois desses poucos segundos enxergando o mundo e me recordando o que ocorreu minha memória se foi.

Por: Coletivo Força Tururu

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