COTIDIANO VIOLENTO


Hey, você que está lendo este texto, já sentiu medo de verdade? O medo na sua essência é algo muito subjetivo, talvez seja difícil dizer quem teve mais ou quem teve menos medo, por isso iremos partir do princípio do medo que Márcio sentiu. Márcio é mais um personagem fictício real que mora em alguma das mais de 6 mil favelas que o há Brasil.  Márcio sentiu muito medo.
Quando se está no meio de um tiroteio você se sente um nada e um tudo, sua pupila dilata, as glândulas suprarrenais jorram adrenalina no seu sangue, você vira um super homem mesmo sem saber. Seu coração dá 100 porradas por minuto no seu peito, sua mão sua sem parar, seus dentes trincam e os músculos avisam que estão preparados para tudo, principalmente correr. Um atleta olímpico momentâneo nasce e em decisões tomadas em milésimos de segundo acelera-se numa velocidade extrema, salta muros, adentra casas... Foi assim que Márcio se sentiu quando os tiros cortavam o ar, carregados de pavor, em plena luz do meio dia. Márcio escapou, velho.
As pessoas estão entregues a um cotidiano violento, cheio de morte, assaltos, corrupção, latrocínio, estupros. Caminhar tranquilamente parece uma das coisas mais difíceis do Universo. Acorda-se pela manhã de uma noite mal dormida, enfrenta-se um ônibus superlotado cheio de riscos e só a sorte quem nos guia em mais um dia que se enfrenta, carregado de gente ruim, pronta para fazer o mal, tomar dos outros das mais diversas formas o que não é seu.  Em 2015, 40 de cada 100 mortes foram no Norte e Nordeste, 16 mortes por dia são registradas em 2017 no Estado de Pernambuco e os negros e jovens sempre são as principais vítimas, desde que o Brasil é Brasil.
Os traumas que Márcio carrega desde pequeno, por ser pobre, morador de favela e negro são enormes, e ainda vem um filho do cão dizer que é “vitimismo”! Este tiroteio do meio dia é mais um que se soma a tantos. Rola bala na comunidade, o povo corre pra se abrigar, se a notícia chega de que mais uma pessoa se foi alvejada por tiros na cabeça o povo vai lá pra ver, dar a derradeira olhada ao caboclinho que cai no chão, se não morre ninguém de boa, melhor ainda. Mas nas duas situações, é vida que segue, é medo que se controla, é desespero que se reprime ou se acostuma.
Passa-se as cenas reais de fuga do medo e o homem deixa de ser super homem e passar ser uma pessoa comum, esperando o próximo capítulo onde se foge das violências como ratos do predador esfomeado.  Ao que parece é uma guerra sem fim.
De um lado do hemisfério do inferno estão a imensa maioria pobre, que desde cedo, do primeiro momento que nasce tem que travar uma guerra pra viver, dai perde a guerra, vira bandido, entra pro crime, faz um monte de folegarem e é exterminado, virou número, pacote pra ser necropciado no IML, entregues a indigência.  Do outro lado do inferno tão os que jantam um banquete gordo, roubam o dinheiro do povo, se enriquecem ilicitamente; compra a justiça, a política, a polícia, as leis, a porra toda e tem um fim diferente daqueles que de lá, do hemisfério de lá. Uma balança que só pesa pra um lado.
Márcio é cidadão dito comum, não pairou sobre os hemisférios do inferno, não se envolveu com nenhum tipo de “desande”, mas está como tantos outros Márcios castigado pelas úlceras que os sistema provoca, levando com ele desde o momento que acorda até a hora vai dormir lembranças de amigos que se foram, de mulheres que apanharam, de familiares que foram assaltados, da saúde que não atende, da escola que não ensina, do lazer que não existe, do emprego escasso e de tiroteios que teve que escapar. Márcio nunca se acostumou com o medo.

Coletivo Força Tururu


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