Existe Vida Além da Prisão? - Ação do Além das Grades -



Renan Nascimento Araújo, estudante de Direito da UFPE, é o nosso entrevistado de hoje no blog. É servido público do Tribunal de Justiça e participa do Além das Grades, grupo constituído desde 2013. Ele salienta que as opiniões individuais dele contidas nesta entrevista não necessariamente refletem a opinião de todos do grupo.
O Além das Grades é um projeto de extensão da Faculdade de Direito da UFPE. É um grupo formado por estudantes e militantes principalmente da área do Direito que luta em prol dos Direitos Humanos no sistema carcerário, questionando o próprio sistema, promovendo assessoria jurídica e social para presos e presas.  Atualmente está atuando na Colônia Penal Feminina de Abreu e Lima.

Coletivo Tururu: Especificamente como o Além das Grades Trabalha? Poderia dar exemplos?

Renan: Vamos quinzenalmente a Colônia Penal Feminina de Abreu e Lima e ficamos em uma sala com computador atendendo as presas que são encaminhadas pela ONG REMA, até a gente. A Ong entra em contato com as presas e detecta problemas jurídicos e, ou sociais, e nos encaminha e fazemos uma consulta do processo. Geralmente as consultas são de ordem jurídica, muitas dessas mulheres tem problemas de saúde, por exemplo, e deveria, já estar fora do Sistema Carcerário ou tem filhos pequenos e a lei prevê que até 12 anos a mulher tem que ter prisão domiciliar, entre outros casos.
Estamos também realizando um Cineclube na Funase, que é a unidade para adolescentes e já ocorreu no Bom Pastor, a gente tenta ir além da parceria jurídica e quando isso ocorre, nunca estabelecemos um contato meramente processual com as detentas, por isso que o nome é Além das Grades, sendo comum quando elas terminam o prazo da prisão e saem em liberdade e ficam amigas dos componentes do grupo porque acham um “porto seguro”.
Ainda temos uma atuação no âmbito educacional, na participação de Congressos, fomentação de pesquisas, artigos, eventos na UFPE, Católica, Nassau, etc. E esses eventos tem um cunho de levar uma perspectiva diferente ao regime carcerário.

Coletivo Tururu: Na sua opinião a justiça é omissa em dar respostas às pessoas que estão encarceradas?

Renan: Não. Diria que ela é bem atuante. O Sistema de Justiça Criminal dá uma resposta e a resposta a meu ver é a pior possível, da punição retributiva, sem nenhum fundo de utilidade ou resposta social verdadeira, principalmente para a população mais marginalizada. Temos uma série de setores da sociedade que são mais vulneráveis e essas pessoas recebem uma resposta brutal e cotidiana do sistema de justiça, seja da polícia, judiciário, Ministério Público, quando deveria ser mais útil socialmente de tentar resolver um problema, mas a resposta só faz aumentar o problema. A política de drogas é um exemplo claro disso, o super encarceramento também e está tudo conectado. Em Pernambuco 2/3 da população carcerária são presos preventivos, não tem sentença, então isso é uma resposta clara e errada da justiça.

Coletivo Tururu: O que vocês aprendem com as pessoas que estão presas?

Renan: Diria que o maior aprendizado é o fato de que essas pessoas tiram muito conhecimento e amor e muita resiliência das piores coisas que um ser humano pode passar que é a restrição de sua liberdade. As nossas companheiras olham para trás e trazem verdadeiros ensinamentos de vida e isso por si só é um aprendizado.

Coletivo Tururu: Renan, você que está envolvido com o trabalho do Além das Grades e atuando em ações, perguntamos se existe vida pós prisão?

Renan: Antes de mais nada é importante dizer que eu nunca vivi no cárcere e o que eu posso falar é o que aprendi dessas pessoas e tudo que aprendi ou vou aprender é uma mera visão de um vídeo distorcido, então eu não tenho propriedade pra responder, mas pelo que aprendi da experiência que temos das vivências com os companheiros e companheiras que estão presos posso dizer que existe vida após a prisão, mesmo que seja uma vida transformada e é transformada porque toda experiência muda vidas e o cárcere é uma experiência extrema e as pessoas, cada uma delas, reagem de forma diferente.
A maioria das pessoas carregam uma cicatriz depois que sai e isso pode criar diversas perspectivas com relação a isso e eu já vi perspectivas maravilhosas e ainda bem que isso é possível, entretanto o curso natural das coisas é que o ódio se torne em mais ódio. O que eu acho absurdo é que as pessoas achem que o fato de passarem pelo encarceramento devem transformar isso em algo positivo, é o mito da ressocialização, porque pra mim o pressuposto é que se o sistema dá tanta coisa negativa, certamente a resposta vai ser igual.

Coletivo Tururu: Você é contra a prisão? E se for contra quais os outros meios que as pessoas que cometem crimes paguem pelos seus atos?

Renan: Sou contra a prisão como ela é feita hoje no Brasil, porque é infundada, não tem razão de existir, como eu falei antes que 2/3 da população carcerária é preso preventivo e muitas das pessoas que são condenadas não deveriam ser condenadas a penas de prisão. Quando chegam no sistema carcerário as condições são degradantes, desumanas, absurdas, o Brasil já foi denunciado diversas vezes devido a isso à Órgãos Internacionais.
De forma mais abstrata eu confesso que tenho que ter humildade em reconhecer as limitações de meu conhecimento, mas não posso conceber a prisão como forma automática para todo tipo de crime, por exemplo: as razões que levam as pessoas a cometerem um furto são totalmente diferentes as que levam a cometer estupro, então padronizar todos eles com uma única resposta é um equívoco para tratar problemas diferentes com a mesma solução, que é a prisão e acaba não tratando problema nenhum.
Acho que existem muitas outras medidas de acompanhamento em casos individuais e que não deveria só estar envolvido o Estado e a pessoa que cometeu o delito, mas a vítima e a comunidade também.  Nos casos mais práticos como dano ao patrimônio, a vítima, por exemplo, teve uma perda material ou agressão.  Acredito num sistema que tenha a perspectiva restaurativa, minimizando e restaurando ao máximo ao contrário da retributiva, que é a que existe hoje, que quem cometem um delito recebe uma vingança estatal.

Coletivo Tururu: No Brasil com essa onda de conservadorismo e com o avanço de Bolsonaro nas pesquisas para presidente, como você enxerga que vai ser tratada a questão da prisão no nosso país?

Renan: Tem muita gente boa no Sistema de Justiça, o CNJ propõe muitos debates progressistas bons em torno de tudo isso que eu falei, mas sobre a pergunta, minha perspectiva é a pior possível porque não é esse tipo de política que ganha a eleição, pra ganhar tem que dizer que vai construir uma escola, hospital, prisão, vai botar mais 100 policiais na rua, que é uma cultura no Brasil de tentar tapar o sol com a peneira e tentar resolver o problema de um dia pro outro e isso vence uma eleição, então pessoas como Bolsonaro é um candidato lucrativo para defender um estado punitivo, mas tenho muita fé em todas pessoas boas que defendem o sistema de justiça, nas universidades, nos que estão nas prisões também.

Coletivo Tururu: Renan, gostaríamos que você mandasse um recado a todas as pessoas que estão desacreditadas da justiça, principalmente aquelas que já viram tantas arbitrariedades e descasos, mandar um recado para aquelas pessoas que vivem em favelas e são carentes da presença do Poder Público nas suas mais diferentes esferas. O que você como militante da área do Direito, da Justiçam poderia dizer a essas pessoas?

Renan: Diria que a situação pode parecer a mais nebulosa possível, a gente tem vivido em termos de política criminal onde governos há muitos anos só fazem desserviços e infelizmente só tem piorado, mas nós temos que resistir! Cada coração é uma célula revolucionária, cada um de nós, principalmente as pessoas que estão na ponta.  As pessoas tem que se organizar e unir forças e cada pessoa que tenha a noção do que a gente tá vivendo e principalmente as pessoas que tão sentindo isso na pele tem muito o que ensinar, porque cada pessoa dentro dessa batalha ideológica é fundamental, não podemos dar o luxo de desistir.


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