ENTREVISTA: Segurança Pública, demilitarização e descriminalização das drogas


Allan Negreiros, é o nosso entrevistado de hoje. Estudante de Direito, 28 anos, um ativista na causa dos direitos humanos e pesquisa o na academia a polícia e o sistema penal. A conversa com Allan permeou vários temas, desde a desmilitarização à descriminalização das drogas. Um debate sobre segurança pública.

Coletivo Tururu: Como é estudar, desenvolver uma pesquisa tendo a polícia como principal objeto de estudo?

Allan Negreiros: Certo dia fui conhecer um movimento poético maravilhoso que acontece no Recife chamado Slam das Minas, uma cena que tem mulheres negras como protagonistas dos mais poderosos versos falados que já presenciei. E na ocasião uma das jovens poetiza, recitou versos que responde incisivamente esse questionamento.

Sistematador

Me chamaram e eu vou falar
E a boca no trombone
Aqui, eu vou colocar
E se pá, dizer umas verdades
Sobre as maldades da vida
Vividas, perdidas, confundidas
E difundidas contra nós.
Mas não, da polícia não pode falar não
A não ser que queiramos amanhecer
N´outro dia no caixão
Eu não tenho medo de morrer
Prende se preto for preto
Prende se pobre for pobre
Porque pensou que era ladrão
A pm desce da viatura e:
“corra não, corra não”
Já chegou falando alto
Viu o relógio do “neguin”
Pensou que tomou de assalto
Ele ganhou da mãe de presente
Passou no vestibular.
“Quem se importa?
Preto só passa com cota
Ganha metade da nota
E não se mata pra estudar!”
Quem disse?
O “neguin” trabalhava
Pra ter um futuro de boa
Sonhava em ter grana, filhos
Dar uma casa pra coroa
Tudo isso foi à toa
Sonho pequeno demais
Menor que os sonhos
Foi a vida do rapaz
Nem chegou no terceiro período
Levou dois tiros nas costas
Só porque foi “confundido”
Mas uma mãe sem o filho
Uma perda pra cada amigo
Procurava um caminho
Terminou sendo
Encontrado, enganado, perdido
A minha hoje chora pelo namorado
Ah, esqueci de dizer

Quem deu os tiros
Era treinado
Estudado
Fardado
E não carrega fardo nenhum
Porque preto morto na favela
Pro sistema (?)
É só mais um!
- Bione

Coletivo Tururu: A ideia que nós temos é que a farda do policial gera pra ele uma armadura de imbatível, intocável e que está acima da lei, você acha isso? E porque essa sensação que acreditamos também estar na sociedade?

Allan Negreiros: Nossa polícia carrega uma herança ditatorial muito latente e presente em toda sua estrutura, mesmo com a advento da Constituição Federal denominada de “Constituição Cidadã”, consagrou em seu texto as polícias militares como forças auxiliares do Exército, assim, refletindo toda lógica de estrutura, organização, cultura e regulamento. Esse cunho militarizado é responsável por internalizar nos jovens agentes públicos valores baseados no combate bélico, força, masculinidade, superação e hierarquia, transferindo assim a construção imbatível do “guerreiro” antigo para o soldado moderno, de modo que o confronto é o modo operandi passando a ter um significado, e, suas ações violentas praticadas publicamente são essenciais para sejam lembrados pela sociedade.
É nesse contexto que é formado a maioria dos policiais brasileiros, sem nenhum tipo de humanização, sem democracia, sofrendo das mais diversas violações físicas, morais e psicológicas, sempre sob a lógica das relações de poder verticalizada, fomentando o super heroísmo, onde passam a internalizar esses valores de indestrutibilidade, como devem se comportar numa guerra, e como toda e qualquer guerra, a ordem é eliminar o inimigo. Diante desse contexto, a introdução dessa lógica belicista no processo de formação policial é que temos esse reflexo do super heroísmo desses agentes estatais.

Coletivo Tururu: Você traz como principal fator desse “poder demasiado” do policial o fator histórico e a sua formação sem nenhuma humanização. Isso de certa forma não cria um sentimento de desresponsabilização da atitude do policial?

Allan Negreiros: Precisamos entender que a violência da polícia é política, e consequentemente a desresponsabilização também passa pelo aval dos órgãos do poder judiciário que não atuam de forma enérgica arquivando uma série de denúncias.

Coletivo Tururu: Que danado é desmilitarização?

Allan Negreiros: Bem, esse assunto vem sido bastante discutido pela sociedade civil, movimentos sociais e por parte de alguns policiais. No entanto setores que lucram com uma instituição truculenta e hierarquizada tenta difundi na sociedade que desmilitarizar seria desarmar a polícia ou até mesmo extingui-la, na verdade a desmilitarização consiste em uma única palavra: DEMOCRACIA. A primeira vez que a palavra MILITARISMO foi usada no mundo, foi na França, no governo de Luis Napoleão, um presidente que derruba a república e cria um império, logo, a própria palavra nos remete a um conceito autoritário que Marx vai retratar isso no seu livro 18 de Brumário.
A desmilitarização, portanto, consiste em uma reconstrução de um modelo policial alicerçado no Estado Democrático de Direito, comprometido com as garantias constitucionais, desconstruindo a lógica do “inimigo do estado”, pois, essas instituições pararam no tempo, para que tenhamos uma noção, todos os marcos regulatórios da polícia militar do Rio de Janeiro são anteriores a constituição de 1987, de modo que passamos a perceber que as instituições militares não acompanharam a evolução democrática do país, dificultado o diálogo e a promoção dos direitos humanos. Não há como falar de Direitos Humanos sem incluir desmilitarização policial, tornando-os agentes de promoção das garantias do estado e não mais como aparelho de contenção da rebeldia social.

Coletivo Tururu: Na sua visão como pesquisador há diferença de como a política entra nas comunidades, tipo o Tururu, abordando as pessoas e a forma como ele aborda os jovens de classe média do segundo Jardim de Boa Viagem?

Allan Negreiros: Ao meu ver existe uma enorme seletividade de atuação, não apenas das polícias, mas, do sistema penal, que é composto por diversas agências que operam a criminalização, sejam as atuam no campo do sistema formal, desde aquelas informais, como a mídia.
Por exemplo: se pedirmos para a uma criança desenhar um traficante de drogas, como que ela desenharia? Obviamente não desenharia uma pessoa de terno e gravata em prédios altos, mas possivelmente desenharia garotos com determinados estereótipos, de cor negra, em um conglomerado de casas irregulares, ou seja, onde está o “perigo”, a todo tempo essa lógica é construída pelo sistema penal indicando a posição dos seus “inimigos”.
Cabe ressaltar, que quando falamos das intervenções do estado nas comunidades acompanhadas de letalidade, costumamos achar que elas são ilegais, onde na verdade atuam em plena legalidade por diversos outros setores da justiça que operam e legitimam essas mortes. O próprio Ministério Público ao receber os autos de resistências, ou denúncias de arbitrariedades, e mesmo assim solicita o arquivamento ao Juiz, que sem qualquer questionamento são arquivados, o que isso formalmente quer as mortes estão de acordo com a lei! Revelando desde então através de escolhas políticas quem vai ser o alvo do sistema.

Coletivo Tururu: Como você avalia essa relação entre drogas e segurança pública?

Allan Negreiros: O Brasil adotou o pior modelo para enfrentar a temática das drogas, optou-se pela proibição, um modelo fracassado, incapaz de produzir efeitos positivos, pelo contrário, ao longo do tempo aumentamos a criminalização de pessoas pobres, superlotamos o sistema carcerário de varejistas e usuários. Ainda mais, transferimos para a segurança pública a inútil função de combate-los, através da criação de células que potencializa o derramamento de sangue, a exemplo das DELEGACIAIS DE REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO (DENARC), entre outras nomenclaturas.
Recentemente o parlamento americano, instaurou uma investigação concluindo que o HSBC (Banco Espanhol) lava dinheiro do tráfico de drogas, ou seja, enquanto milhares de policiais, usuários, varejistas estão sendo mortos pela insana guerra as drogas, há uma indústria financeira transformando células em cédulas.
É evidente o fracasso dos dispositivos criminalizadores das drogas juntamente com atuação da segurança pública, sequer conseguiu chegar ao fim de que se propõem desde que a guerra as drogas foi declarada nos EUA, ao contrário, a inconstante ilegalidade ajudou à criação de substâncias mais potentes, mais baratas e de acesso maior do que quando poderiam ser vendidas. Não são as drogas que causam violência, mas a sua ilegalidade é responsável por criar setores criminalizados e agências criminalizadoras produzindo a violência como subproduto de suas relações.
Portanto, não há como pensar em um modelo de segurança pública alicerçados nos pilares democráticos, preservando dignidade da pessoa humana e os direitos humanos, sem antes repensarmos a política de drogas e a consequente regulação do comércio, do consumo e da produção das drogas.

Coletivo Tururu: Segundo dados do relatório da CPI do genocídio da juventude negra, grande parte dos policiais entrevistados querem o fim da militarização, o que falta para tornar esse debate real? Há alguma expectativa?

Allan Negreiros: O grande entrave hoje acerca do debate está em alguns setores políticos na sociedade que lucram com a violência policial, fazendo disso de uma política de estado, com discursos simplistas, fáceis e agressivo.
Uma polícia pensante que atue como agente de direitos humanos é uma ameaça pra quem se utiliza da opressão para conter as demandas sociais. No entanto vem se levantando no Brasil, um grupo de policiais que entendem a verdadeira missão policial, eles se organizam em duas rentes, A LEAP BRASIL, Associação dos Agentes da Lei contra a Proibição, que, por sua vivência, perceberam a falência da guerra as drogas e, mais ainda, os danos e os sofrimentos provocados pela atual política de proibição, por isso se pronuncia pela legalização e consequente regulação e controle da produção, do comércio e do consumo das drogas, por acreditar que não há desmilitarização enquanto durar o proibicionismo.
A outra frente são os Policiais Antifascismo, composto por policiais civis e militares de todo Brasil, onde discutem uma modelo de segurança pública para o povo. Esses grupos têm feito um trabalho brilhante sobretudo no amadurecimento do projeto de desmilitarização.

Coletivo Tururu: Como você se vê formado, atuando como advogado?

Allan Negreiros: Então... Desde do começo da Universidade sempre algumas aulas me inquietavam bastante pois percebia que tudo falado ali não tinha menor sentido quando lançava o olhar na comunidade que eu moro. Por exemplo: Quando o professor de constitucional perguntava: Existe pena de morte no Brasil?
A resposta jurídica seria, não. Salvo em caso de guerra declarada. No entanto, essa resposta não me satisfazia pois mostrava o quanto o direito está distante da vida, pois diversas pessoas têm suas penas de mortes decretadas nas periferias brasileiras apenas porque o sistema penal identificou como criminoso. Observem as reportagens com familiares de pessoas que foram mortas pelo sistema penal, a preocupação é única: provar que o filho não era criminoso. Ou seja, a fato de ser identificado como um elemento criminoso, passa a ser um salvo contudo para que seja legitimado a letalidade policial.
Então dizer que o Brasil não tem pena de morte é um olhar de quem estuda Direito distante da vida, como operadores das ciências jurídicas precisamos aproximarmos da vida, afim usar essa ferramenta para as mudanças sociais que o Brasil precisa. Hoje minha atuação na área criminal, pois tenho em mim o DNA da liberdade.

Coletivo Tururu: Deixe um recado para os leitores do nosso blog.

Allan Negreiros: Primeiramente, ressalto a importância do Coletivo Tururu na minha formação como profissional e acima de tudo como militante dos direitos humanos. Sou impactado diariamente pelas atividades e a forma de emponderamento social na vida dos jovens da comunidade. Aos leitores, a reflexão de que sistema penal nós queremos, como amante da poesia deixarei os versos inquietos de um amigo sergipano.

Homem Bomba - Por Pedro Bomba
Eu tenho aqui guardado dentro de mim um monte de BOMBA.
E essa porra toda vai explodir.
Cês tão me ouvindo bem?
EU TENHO AQUI GUARDADO DENTRO DE MIM UM MONTE DE BOMBA
E ESSA PORRA TODA VAI EXPLODIR!
É curto o pavio...
Ta vendo esses olhos fundos, ta vendo?
É porque aqui ninguém dorme.
A insônia tem nome de polícia, milícia, ta me entendendo?
A nossa casa se chama barraco.
O pesadelo ta fardado, armado
Cês tão me ouvindo bem?
É pouca vida pra muita morte.
É lona preta, é pele preta,
É reintegração de posse.
Sabe como é viver assim, sabe?
Num sabe, né?
Aí vai pra rua gritar “sem violência”
“sem vandalismo” “sem partido”
Vai vestir branco e pedir paz.
Meu amigo,
Aqui toda camisa branca
É manchada de vermelho sangue!
E paz é uma palavra que não existe no vocabulário da rua.
Aqui é carne crua, é ferida aberta.
Ninguém tem medo de morrer aqui não!
Muito menos de lutar, tão pouco de morrer lutando!
A gente vai quebrar é tudo!
Vai trancar pista, queimar pneu

E não venha me dizer que é vandalismo, não!
VANDALISMO é o que fazem com nossas VIDAS
Cês tão me ouvindo bem?
VANDALISMO É O QUE FAZEM COM NOSSAS VIDAS!
Pacífico? Pacifico só oceano.
O nome disso aqui é REVOLTA!
RE-VOL-TA!
Aqui, todo mundo tem um monte de bomba guardada dentro de si
E quando essa porra toda explodir
Aí eu quero ver...






Comentários

  1. Entrevista maravilhosa! Excelente debate.... parabéns Turutu e a Alan pelas contribuições!!

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