ENTREVISTA COM A ATIVISTA MÔNICA OLIVEIRA, DA REDE DE MULHERES NEGRAS DE PERNAMBUCO

 


Mônica Oliveira, Ativista da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, do Fórum de Mulheres de Pernambuco, da Articulação Negra de Pernambuco e Assessora Parlamentar da Juntas Co- Deputadas, é a nossa entrevistada desse mês para debatermos sobre vários assuntos, entre eles: feminismo, pandemia e racismo. 

Coletivo Tururu: De quais maneiras os coletivos feministas têm contribuindo no enfrentamento das desigualdades raciais e de gênero em Pernambuco? 

Mônica Oliveira: Os diversos coletivos e organizações do Movimento Feminista, historicamente, são o setor dos movimentos sociais que mais têm avançado na luta antirracista. Foram as mulheres, as feministas, que primeiro assumiram em seus discursos e têm feito um esforço em suas práticas de que não é possível superar as diversas desigualdades senão se superar o racismo. Nesse sentido, existe uma aliança política, que é histórica, contemporânea, que tem se expressado nas ações conjuntas entre diversas organizações de mulheres, especialmente, as negras. Foi uma grande luta das mulheres negras afirmar o antirracismo por dentro do movimento feminista, mas a gente acredita que muitos passos foram dados. Logicamente, ainda há caminhos a fazer. É lógico que não estamos na condição que achamos adequada, que é a da incorporação pela perspectiva racial da agenda de luta das mulheres como um todo, mas com certeza passos foram dados. Do ponto de vista prático, a gente tem visto diferentes alianças entre as organizações de mulheres mistas e negras, no enfrentamento da questão do encarceramento em massa de mulheres negras, da saúde, a luta pela legalização do aborto, a defesa dos direitos sexuais e reprodutivos, a do SUS. Todas essas são lutas que são muito importantes para a população negra, para as mulheres, especialmente, e são lutas conjuntas do movimento feminista. A afirmação do antirracismo nas várias frentes de luta, é um avanço importante.         

Coletivo Tururu: Quais são os principais desafios enfrentados pela população preta durante a pandemia? 

Mônica Oliveira: A pandemia, na realidade, aprofundou um conjunto de desigualdades que já existiam no Brasil. Vivemos num país em que as desigualdades são estruturadas pelos fatores de raça, gênero e classe. Logo, a pobreza já existia, as grandes dificuldades no acesso ao emprego, à renda, as questões da precariedade da habitação, do saneamento, do transporte público, tudo isso já existia. Acontece que numa situação de crise, como a gerada na pandemia, esse conjunto de desigualdades se aprofundou, se tornou mais aguda e visível. Há dados de pesquisa como a da Oxford, por exemplo, que numa análise mundial se percebe que o acúmulo de riquezas dos mais ricos em 9 meses, aumentaram exponencialmente durante a pandemia. E as pessoas mais pobres, que foram empurradas para a extrema pobreza, vão levar em média 10 anos para se recuperarem. Isso significa política de morte, neoliberalismo, racismo, porque, concretamente, como é que essas pessoas ricas e empresas aumentam tanto suas riquezas no período que a humanidade passa por tantas dificuldades.  É fundamental considerar isso. Falando, especificamente, mais do cotidiano da população negra durante a pandemia, vamos tomar alguns exemplos que são importantes.  Cerca de 70% das mulheres negras estão no setor informal da economia, que foi profundamente prejudicado pelas restrições do período pandêmico. Então, a população que é camelô, diarista, que ocupa lugares precários no mercado de trabalho, sem acesso aos direitos trabalhistas. Essa população ficou impedida de acessar renda. Isso é uma coisa fundamental quando a gente analisa as condições da população negra na pandemia, que foi empurrada para a extrema pobreza e fome. Percebemos o fato do SUS vir sendo privatizado há décadas neste país, especialmente, no Estado de Pernambuco. O nosso Governo repassa fortunas para a iniciativa privada na saúde, e isso se escancarou na Pandemia. Numa crise sanitária como esta, a pressão sob o sistema de saúde aumentou consideravelmente e ele não estava pronto para responder a isso. Quem é a população que utiliza o SUS¿ 70 por cento negra, no mínimo. Em Estados como Pernambuco é cerca de 75% por cento negra, isso é um fator determinante. A questão do transporte público, por exemplo, que responde a demanda de mobilidade urbana aponta a insatisfação da população, a falta de precaução e prevenção do uso do transporte público. O que as empresas, concessionárias de um sistema público, regulado pelo Governo não sofrem nenhuma sanção por não oferecem condições adequadas para o transporte da população durante a pandemia. E quem mais usa este transporte público é a população negra, novamente a mais prejudicada. E para encerrar esta pergunta, falando especificamente das mulheres, a questão do cuidado no nosso cotidiano se ampliaram na pandemia, o cuidado com pessoas e crianças doentes, com a casa, alimentação, higiene, isso é uma carga que fica sob os ombros das mulheres, sobretudo, as negras. Além disso, várias categorias, que são importantes nesta crise sanitária, trabalham sob risco, por exemplo: motoristas de ônibus, diaristas, técnicas em enfermagem que são compostas, em sua maioria, pela população negra.       

Coletivo Tururu:  Quais os principais os projetos de ação da Rede de Mulheres Pretas de Pernambuco?  

Mônica Oliveira: A Rede de Mulheres Negras atua em Pernambuco com quatro grandes estratégias.  Acabamos de completar 4 anos em dezembro de 2020. Somos Estadual, temos atuação em Recife e na Região Metropolitana, um núcleo no Sertão, um na cidade de Petrolina, um na Zona da Mata, na cidade de Vitória de Santo Antão, um no Agreste, em Belo Jardim. A Rede tem cerca de 80 militantes hoje, juntando todos esses núcleos, e trabalhamos a partir de três princípios que norteiam a nossa luta que são: ancestralidade, identidade e resistência.  Trabalhamos de três a quatro eixos estratégicos como: articulação e mobilização, buscamos mobilizar mulheres negras em diferentes territórios da sociedade para que se coloquem dentro do movimento e se inserindo na luta política a partir da sua identidade de mulher negra, na defesa de direitos e no combate ao racismo. A Rede faz muitos trabalhos de formação política, tanto para mulheres da Rede como para mulheres de outros coletivos e organizações, desde que sejam negras. Atuamos muito na formação política, pois achamos fundamental. Uma terceira estratégia é a questão da incidência de políticas públicas, atuando na cobrança do poder público e no monitoramento pela melhoria das condições de vida para as mulheres negras. Temos feito ações, atos de ruas, públicos em conjunto com outros movimentos. Documentos cobrando providências aos gestores públicos, principalmente ações de comunicação em redes sociais com essas pautas. A comunicação também é crucial, a rede possui instagram, facebook. Fazemos cards, documentos, textos sobre questões relativas ao racismo, ao sexismo, ao patriarcado, ao capitalismo. Isso tem sido uma estratégia importante, pois é através da comunicação que atingimos diferentes públicos, para nós é algo precioso. Agora, no período da pandemia, a Rede fez ações em 3 eixos: um que chamamos de auxílio direto a população, a mulheres negras que foi a aquisição e distribuição de cestas básicas e de itens de higiene e limpeza. Atendemos famílias de 17 comunidades com este tipo de trabalho, de junho a novembro de 2020. Provavelmente, vamos retornar isso novamente porque entendemos que é uma necessidade premente nas populações periféricas, majoritariamente, negras. Além do auxílio direto, a Rede realizou ações de comunicação popular com anuncicletas nas comunidades, divulgando as estratégias de prevenção do corona vírus. Por fim, realizamos ações de incidência, junto ao poder público, apresentando cartas ao Governador do Estado e ao secretário de saúde cobrando providências em torno dos dados da Secretaria de saúde de Pernambuco, que não estava divulgando os dados desagregados por cor ou raça. Fizemos uma exigência disso, em conjunto com outras organizações e passaram a divulgá-los. Reiteramos também, medidas para a população de rua, mais vulnerabilizadas e outras questões.             




Coletivo Tururu: Como você avalia a ausência de um plano de vacinação? O que isso implica para a população periférica e encarcerada? 

Mônica Oliveira: O plano de vacinação do Estado de Pernambuco, não difere das de outros lugares. Percebemos que tem sido feito ajustes, ele tem melhorado, mas ainda ficam de fora populações importantes como as de rua. Entendemos que a população negra deveria ter uma prioridade, sobretudo, as periféricas, as quilombolas e os povos indígenas. Isso de alguma forma foi conquistado, pois foi incorporado ao plano de vacinação do Estado, mas a entendemos que a dimensão racial não tem sido considerada corretamente. Pessoas negras, em sua prevalência, existe uma série de doenças consideradas comorbidade para a covid, como hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares. Isso não está sendo considerado na escolha das prioridades.   

Coletivo Tururu: Todos os anos, o 8M é marcado por várias marchas no país inteiro. Este ano, com a pandemia, teremos que nos adaptar no formato das manifestações, visto que o risco de contaminação pelo COVID-19 só tem aumentado. Diante disso, você poderia explicar como será o evento deste e quais são os eixos discutidos e os porquês deles terem sido evidenciados? 

Mônica Oliveira: Este ano, com certeza foi um grande desafio para nós montar o ato unificado do 8 de março. Recife tem uma tradição muito interessante e bonita que é o fato de a gente fazer um ato unificado que envolve em torno de 30 a 40 coletivos, organizações e setoriais de mulheres, de diferentes instituições e movimentos. Apesar dos empecilhos, deste ano, avalio que foi um processo muito positivo. Nós fizemos várias plenárias, com participação de mais de 80 mulheres e isso é muito positivo porque demonstrou um esforço e um movimento muito importante do conjunto de mulheres que estava voltada para realizar o 8M da melhor maneira possível, considerando as restrições da pandemia. Até a última semana fevereiro, estávamos trabalhando com a proposta de fazer diferentes formatos como: pequenos atos, de 10 a 15 mulheres, em alguns lugares a fim de ter uma presença de rua no 8M, mas no início de março, quando o Governador anunciou as restrições e o toque de recolher, resolvemos não fazer mais os atos de rua. Fizemos uma consulta democrática e alguns coletivos mantiveram os seus atos de rua, mesmo que fossem de pequeno porte.

A Rede de Mulheres Negras de Pernambuco desistiu completamente de fazer atos de rua. Em contrapartida, nos dedicamos, exclusivamente, às atividades online nas redes sociais. Depois dessa última reunião, fizemos um investimento em lambes, faixas, grafites, bandeiras. O lema deste ano é “Feministas pela vida, contra o Governo da Morte. Fora Bolsonaro e Mourão!” Fizemos bandeiras e lambes com esta frase e distribuímos em vários territórios como: Igarassu, Jaboatão, Paulista, Olinda. Muitas comunidades se envolveram a partir dos coletivos e no 8M à noite, rolou a live, que é política e cultural, teve a participação de artistas dos movimentos, mulheres de várias idades, perfis que estão apresentando seus talentos, bem como a discussão política, pois nós, feministas, precisamos fazer nossa discussão política sempre. Muita ação de artevismo, de fazer política pela cultura. Foi muito desafiador, difícil, sobretudo, pelo número elevado de mulheres no formato online, mas deu muito certo, ficou muito bonito e politizado. Ficamos muito satisfeitas com os resultados!    

 Coletivo Tururu: Qual recado você daria as mulheres pretas que estão lendo esta entrevista?

 Mônica Oliveira: Precisamos estar cada vez mais unidas. A ação coletiva é a única forma da gente fazer enfrentamento ao racismo, ao patriarcado, ao capitalismo ultra e neoliberal que tem massacrado as nossas vidas. Estar em coletivos, em movimentos, fazer ação conjunta são alternativas possíveis para a nossa luta contra as desigualdades, as violências e as formas de opressão. Eu desejo que todas as mulheres se afirmem cada vez mais como mulheres, especialmente, as negras. Afirmem a sua negritude, seu pertencimento. É importante demais, a gente entender que esse pertencimento a ancestralidade significa que nós somos continuidade da luta de muitas que vieram antes de nós. Nós somos continuidade daquelas mulheres, escravas de ganho, que ajudaram nos processos de abolição, nas fugas de escravos, na construção de quilombos, desde o início desta nossa luta. Somos continuidade da Lélia Gonzales, da Beatriz Nascimento, destas muitas que vieram antes de nós. Estamos nesta construção permanente de uma sociedade diferente, em que o bem viver de todas nós seja algo importante e garantido, vale muito a pena fazer parte do movimento, da luta, sempre.      

Por Suelany Ribeiro

Ativista do Coletivo Força Tururu, professora, mãe e poeta


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